Será impossível conter epidemias sem repensar o modelo de gestão do saneamento

Por mais um ano, o Rio de Janeiro sofre com a dengue. Segundo o painel de Arboviroses do Centro de Inteligência em Saúde, da secretaria estadual de Saúde, o estado registrou, nos primeiros meses de 2024, 82.420 casos da doença. Dez pessoas morreram. O cenário se repete por todo o Brasil, que alcançou nesta semana a marca de 1 milhão de casos e 214 mortes.

A epidemia não é, por si só, uma novidade. O município do Rio enfrentou fortes anos epidêmicos em 1986, 1991, 2002, 2008 e 2012. No final de 2023 e início de 2024, no entanto, a doença transmitida pelo Aedes aegypti se disseminou com tamanha velocidade e força que, no final do último mês de fevereiro, a cidade registrou 44% mais casos que em todo o ano de 2023.

Os dados acendem um alerta para os próximos anos. Se não quisermos entrar em novos ciclos epidêmicos das doenças de veiculação hídrica, vamos precisar rever a lei do saneamento brasileiro.

Segundo Tainá de Paula, secretária de Meio Ambiente e Clima do Rio de Janeiro, para além da catástrofe climática, decisões políticas sobre como gerir o saneamento dos municípios têm relação direta com o cenário dramático que vem pressionando o sistema de saúde. A privatização dos serviços de captação e tratamento de água e esgoto têm um papel importante nessa equação.

“Ainda governamos com uma lógica que vai na contramão dos debates e ações na área do saneamento no mundo. Nós flexibilizamos, e até incentivamos, o processo de privatização e consorciamento tripartite, colocando empresas na captação, distribuição e tratamento de esgoto. Esse sistema, rechaçado por diversos países do Norte Global, ainda é considerado um ativo e é, inclusive, incentivado por diversos setores da iniciativa privada e do setor público”, aponta Tainá.

A secretária falou sobre o tema no programa Soberania em Debate em 15/02. Confira o programa abaixo.

Territorialização

Tainá de Paula destaca que os serviços privados de água e esgoto estão nas áreas onde as empresas não têm interesse em atuar, por não gerarem lucro suficiente. O mapa epidemiológico da cidade ajuda a entender o ponto: dos dez bairros mais afetados pela doença no município, oito estão na Zona Oeste e dois, na Zona Norte – Campo Grande lidera a lista, seguido por Santa Cruz, Guaratiba, Bangu, Complexo do Alemão, Realengo, Paciência, Cosmos, Tijuca e Inhoaíba.

“Os dados acendem um alerta para os próximos anos. Se não quisermos entrar em novos ciclos epidêmicos das doenças de veiculação hídrica, vamos precisar rever a lei do saneamento brasileiro. As empresas estão disponíveis para atendimento e fazem investimentos onde há mercado consumidor. Onde não encontram esse potencial de retorno, elas não têm interesse em garantir a infraestrutura mínima. As populações vulneráveis são diretamente impactadas”, relata Tainá.

No Rio de Janeiro, a Águas Rio, concessionária da Aegea, é a empresa responsável pelo abastecimento de água e esgotamento sanitário em 27 municípios do estado do Rio de Janeiro, incluindo 124 bairros da capital e atendendo 10 milhões de pessoas. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2021, 65,62% do esgoto do município do Rio é tratado. 920 mil pessoas não têm acesso ao serviço.

Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Com dados da secretaria municipal de Saúde, Agência Brasil, Trata Brasil e Soberania em Debate.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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