Sindicatos & democracia

"Os sindicatos sustentam um contínuo espaço de participação e processo de decisão exercitado para expressar interesses coletivos, mediá-los com interesses de outras partes e deliberar encaminhamentos", destaca Clemente.

Por Clemente Ganz Lúcio*

Os sindicatos são organizações fundamentais para sustentar e proteger as democracias e o fazem com sua atuação desde os locais de trabalho, nos espaços setoriais, regionais, nas cadeias produtivas, no âmbito nacional ou internacional. Os sindicatos promovem experiência de participação democrática das pessoas que trabalham ao elaborar pautas que reúnem reivindicações que expressam os interesses dos trabalhadores; ao reunir um posicionamento coletivo em relação às demandas; ao conduzir as negociações com a representação empresarial e ao deliberar por implementar um acordo coletivo ou convenção coletiva; ao encaminhar e organizar ações como, por exemplo, as greves, que exigem deliberações coletivas complexas; ao estabelecer política de comunicação com a base representada.

Os sindicatos sustentam um contínuo espaço de participação e processo de decisão exercitado para expressar interesses coletivos, mediá-los com interesses de outras partes e deliberar encaminhamentos.

Os sindicatos são instituições essenciais nas sociedades democráticas porque atuam diretamente sobre o conflito distributivo do produto econômico gerado pelo trabalho. Formulam demandas e propostas, disputam interesses e criam regras distributivas da riqueza gerada pelo trabalho de todos, incidindo sobre o montante que fica para o trabalho na forma de salário, jornada de trabalho, benefícios econômicos e sociais, políticas de igualdade, entre outros.

Os sindicatos ao longo da história expandiram sua atuação para tratar da regulação de todas as formas de emprego no setor privado e no setor público, o fazem por meio da negociação e da contratação coletiva.

As mudanças no mundo do trabalho desafiam os sindicatos a criar capacidade de representação coletiva de trabalhadores e trabalhadoras com diferentes formas de inserção ocupacional e de relações de trabalho que ultrapassam o clássico assalariamento ou de vínculo com o setor publico. Gerar uma organização coletiva sustentada pela solidariedade, reunir nas pautas as demandas, aglutinar capacidade e competência para a negociação coletiva, promover espaços de deliberação coletiva e processos de organização e de lutas para uma força de trabalho excluída da representação sindical e das proteções trabalhistas, previdenciárias e sociais é um desafio hercúleo. Mais de 40% o contingente de trabalhadores no Brasil está sem proteção sindical (autônomo, conta-própria, doméstico, cooperado, terceirizados, plataformizados, entre outros), a maioria em situação de alta precarização e vulnerabilidade, dispersos, atomizados e com pouca experiência associativa no mundo do trabalho.

As democracias ganham concretude em sociedades onde há liberdade e a igualdade é uma utopia almejada e buscada. Os sindicatos são espaços coletivos do livre exercício que demanda e luta pela igualdade.

Na origem das democracias estão os sindicatos, propositores e persistentes defensores do direito universal ao voto, das eleições livres, da liberdade de organização dos sindicatos e dos partidos políticos, dos direitos sociais, do Estado de Direito, entre outros.

As democracias experimentam no mundo ataques poderosos perpetrados por aqueles que a negam e rejeitam. O projeto de enfraquecer ou destruir os sindicatos faz parte da estratégia de enfraquecer as democracias. Uma das formas de fragilizar ou atacar as democracias é inviabilizar os sindicatos, criminalizar seu trabalho de representação e tirar poder das negociações coletivas.

A CSI – Confederação Sindical Internacional promove a Campanha mundial em defesa da democracia, com o objetivo de fortalecer o sentido estratégico do papel dos sindicatos nas sociedades e para defender todas as dimensões da liberdade e da democracia.

Como afirmou o secretário-geral da CSI, Luc Triangle, “os sindicatos são o maior movimento social do mundo. Incorporamos e praticamos valores democráticos diariamente. É hora de reafirmarmos nosso compromisso de defender e promover esses princípios globalmente. A democracia não é apenas um ideal político, mas uma realidade vivida e que os trabalhadores estão em uma posição única para defender e aprimorar.”

Tragicamente, a cada ano desde 2018, mais países experimentaram declínios nos processos democráticos conforme aponta o Relatório “O Estado Global da Democracia 2023”[1]. Essa tendência antidemocrática se materializa também nos ataques aos direitos sindicais, mapeados ao longo dos últimos dez anos pela CSI segundo o “Indice Global de Direitos 2023”[2]. Em 2023, as violações atingiram novos máximos: 87% dos países violaram o direito de greve, enquanto 79% violaram o direito à negociação coletiva.

A campanha protagonizada pela CSI tem dois eixos mobilizadores:

  • A luta pela Democracia nas Sociedades, onde os sindicatos defendem as liberdades fundamentais, mobilizando-se para as eleições, solidarizando-se com os trabalhadores sob ataque, defendendo avanços nos impostos progressivos e um novo contrato social em seus países.
  • A luta pela Democracia no Trabalho, incluindo o direito de greve, de organizar um sindicato e de negociar coletivamente.

Promover o respeito pelos direitos dos trabalhadores, garantir o investimento organizativo para promover uma alta densidade sindical, fruto de uma ampla base de representação para a contratação coletiva e alta capacidade de sindicalização, levam a uma distribuição de renda e de riqueza mais equitativa e a uma maior confiança da sociedade nas instituições democráticas.

 

[2] IDEA, International Institute for Democracy and Electoral Assistance, 2023, https://www.idea.int/sites/default/files/2024-02/the-global-state-of-democracy-2023-the-new-checks-and-balances.pdf
[1] ITUC, CSI, IGB, “Direitos dos Trabalhadores em 2023”, in https://www.globalrightsindex.org/en/2023

 



*Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, c
oordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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