Soberania em Debate: Henrique Fontana conclama a militância de esquerda para as redes e ruas

Com o Congresso mais conservador da história e um governo formado por um amplo espectro político, da esquerda à direita, o secretário-geral do PT aponta a importância da militância para garantir o crescimento do partido, da esquerda e do campo democrático pelo país nas eleições municipais

As eleições municipais de 2024 chegam em um momento difícil para a política brasileira, mas serão decisivas para definir o cenário que enfrentaremos nas eleições para o Legislativo e Executivo federais de 2026. Segundo Henrique Fontana, secretário-geral do Partido dos Trabalhadores, o desafio é grande e exige ação, principalmente nas redes digitais, mas também nas ruas.

Para traçar o cenário atribulado vivido nos últimos anos, Fontana, que foi deputado federal por 24 anos, lembra que o terceiro Governo Lula é formado não só pela esquerda, mas por um espectro amplo de alianças que abarca centro e direita democrática, unidos com um objetivo claro: derrotar as forças fascistas, extremistas e antidemocráticas que conquistaram quase metade dos votos em 2022.

Aprender a operar neste ambiente político, conta Fontana, é um aprendizado, sobretudo no que diz respeito à guerra cultural travada, principalmente, pelas redes digitais. “Elas têm sido usadas na política para construir a guerra cultural, que tem como um de seus pilares a intolerância. A lógica é convencer um grupo cada vez maior de pessoas a operar na lógica do ódio, por dentro de uma narrativa antissistema que diz que nada presta, que tudo deve ser destruído. E quando esses grupos ganham as eleições, o resultado costuma ser desastroso. Bolsonaro criou o maior desequilíbrio fiscal das últimas décadas. Ele quebrou o Brasil, mas também quebrou as redes de diálogo. O ambiente político passou a ser cada vez mais difícil para a negociação de consensos, para formação de maiorias, para evoluir pautas”, aponta o ex-parlamentar.

A íntima ligação da extrema-direita com o que chama de “fanatismo liberal”, é outro ponto relevante apontado na conversa com a jornalista Beth Costa e o advogado Jorge Folena, no Soberania em Debate de 15 de agosto. Nesse casamento harmonioso da guerra cultural com o entreguismo neoliberal, busca-se vender as companhias estratégicas do país, mesmo em áreas onde o resto do mundo volta atrás e reestatiza, após experiências privadas mal-sucedidas. Também sofrem as políticas públicas, muitas delas descontinuadas ou precarizadas durante o governo Bolsonaro. 

Houve muita destruição de políticas públicas e precisamos reerguer o Estado Nacional, reencontrar o equilíbrio fiscal na economia, colocar o país para crescer e reconquistar o diálogo civilizado entre as partes. O Governo Lula conseguiu avanços muito importantes, a vida das pessoas começou a melhorar concretamente, o Minha Casa Minha Vida foi retomado. Mas ainda há uma polarização muito intensa na sociedade, que faz com que mesmo que as pesquisas indiquem uma vantagem do presidente Lula em uma eventual disputa eleitoral, ela seja muito pequena se comparada ao que está sendo, na prática, o governo Lula e ao que foi o governo Bolsonaro para a vida das pessoas. O que explica isso é a guerra cultural e nós precisamos aprender a usar, cada vez mais, a militância digital para combater essa excitação que a extrema-direita cria”, defende Fontana.

Projeto de país e formação de bases

Líder do governo Lula entre 2008 e 2010 e no primeiro governo Dilma, Fontana defende a importância da reeleição do presidente Lula para seguir avançando nas áreas recuperadas neste último ano e meio de gestão. Um projeto nacional, que muda as estruturas do país, não se instala em apenas quatro anos. Para ajustar as políticas de distribuição de renda ao longo dos anos e enfrentar o fanatismo liberal da extrema-direita, que aprofunda a desigualdade, é preciso tempo. E é fundamental que funcione: O fascismo ultraliberal, ao gerar uma enorme concentração de renda nas mãos de poucos e profunda frustração na classe trabalhadora, é justamente o que cria as bases para a instalação do fascismo.

O aparelhamento das instituições, com moedas de troca cada vez mais imorais, como o orçamento secreto, também foi abordado na entrevista. Henrique conta que, 26 anos atrás, quando assumiu seu primeiro mandato na Câmara de Deputados, cada parlamentar podia apresentar emendas ao orçamento totalizando um milhão e meio de reais por ano. A emenda era analisada e, se o projeto fosse aprovado, era executado. Hoje, as emendas são de 38 milhões por parlamentar e ainda inclui emendas de bancadas, comissões e relatores. Elas são, também, impositivas, de execução obrigatória e sigilosas, ferindo uma das bases da boa gestão pública: a transparência.

“Houve uma avalanche do predomínio individual dos parlamentares no orçamento. Se construiu um conjunto de situações que propiciou que o cidadão nem saiba quem assinou as emendas, onde cada parlamentar colocou o dinheiro público. Os eleitores precisam ter ciência desta destinação de recursos para que, caso a reprovem, possam punir o parlamentar de forma democrática, não o elegendo novamente”, defende Henrique.

Eleições municipais, nas ruas e nas redes

A mãe de todas as crises do século XXI, a contagem regressiva, em ritmo acelerado, em direção a um planeta inviável para a vida humana, depende do voto para ser vencida. Seguir elegendo negacionistas climáticos, outra forte característica da extrema-direita na guerra cultural, em algumas gerações, não sobrará muito. “É caso de vida ou morte”, alerta Fontana, destacando, porém, que essa batalha não está perdida.

“Há esperança. Nós, da esquerda, da centro-esquerda, do campo democrático, estamos em maioria no Brasil. Nós somos mais fortes que eles. Agora, temos que nos fortalecer ainda mais, ampliando as nossas relações. É por isso que aprovo a decisão do partido de apoiar Eduardo Paes para a prefeitura do Rio. Melhor seria termos candidatura própria, sem dúvida, mas é preciso apoiar para ser apoiado. Na equação geral de como estamos estruturando as forças políticas de defesa da democracia e oposição ao fanatismo da extrema-direita, isso é muito importante”, destaca Fontana. 

O objetivo do PT, hoje, segundo seu secretário-geral, é ampliar o apoio do povo brasileiro ao campo democrático o suficiente para eleger mais da metade dos prefeitos que tem hoje no país. “Precisamos crescer nessas eleições municipais. O PT e a esquerda estão disputando diversas prefeituras de capitais, com muitas chances de vitória. Estamos muito bem em Teresina, Fortaleza e São Luís. Em Porto Alegre, Maria do Rosário lidera as pesquisas. Em São Paulo, confio muito na vitória de Boulos e Marta. Em João Pessoa e Natal, temos candidatos e candidatas fortes. Em Recife, João Campos deve ganhar no primeiro turno. Muita coisa boa está se desenhando para chegarmos à meta de aumentar duas vezes o número de eleitos pelo PT e duplicar o número de prefeitos”, projetou o ex-parlamentar em meados de agosto.

De lá para cá, iniciado o período de campanha, muita coisa mudou e, segundo pesquisa Datafolha da última semana, a esquerda tem chances de eleger prefeitos em quatro capitais e é franca favorita apenas em Recife, onde João Campos deve se reeleger no primeiro turno, com 74% das intenções de voto. O cenário é grave e exige ação imediata. Segundo Henrique, a militância, que ele avalia acuada demais para os bons resultados do governo, tanto internamente, quanto geopoliticamente, precisa se empenhar no ambiente digital para desmontar as narrativas mentirosas e apresentar os fatos. O alvo, ele destaca, é o centro.

“Temos que conquistar o centro político. A vida política do Brasil não é feita apenas de extrema-direita e nós, da esquerda. Milhões de brasileiros votaram duas vezes em Lula, duas vezes em Dilma e, em 2018, votaram em Bolsonaro. São milhões de corações e mentes que precisam ser conquistados com argumentos qualificados, não com ódio e Fake News. Precisamos elevar a simpatia desta parcela da população com o nosso projeto de país. Mas temos, também, que ir aos territórios. No nosso tempo, não existe a escolha da rua ou da rede. Temos que estar nas ruas e nas redes”, conclama.

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.

 

Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: PT

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