Entidades da sociedade civil que compõem a campanha “Banda Larga é Um Direito Seu!” se organizam para, mais uma vez, esclarecer senadores e deputados federais sobre pontos relevantes a respeito da expansão da banda larga no país. A ideia é mostrar as inconveniências de utilização dos recursos contidos no Projeto de Lei da Câmara nº 79, de 2016, e nos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Uma das características do PLC é permitir a mudança da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização e transferir para as Operadoras de telecomunicações toda a infraestrutura de prédios, equipamentos, fibras óticas, cabos e sistemas que compõem os bens reversíveis à União ao final do contrato de concessão, por questionáveis compromissos de investimentos em banda larga.
As entidades que compõem a campanha divulgam entre os parlamentares um documento síntese dos prejuízos que os procedimentos poderiam causar ao país. Segundo Marcio Patusco, diretor técnico do Clube de Engenharia, a urgência do tema se deve ao fato de o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) ter afirmado que voltaria a tentar aprovar o PLC no terceiro trimestre de 2017.
Procedimentos da Anatel e do MCTIC
O documento questiona os procedimentos da ANATEL para firmar os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) como fontes de financiamento do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT) com as empresas de telecomunicações, os quais têm como objetivo resolver questões como as multas das empresas por descumprimento de obrigações. Pelas inúmeras irregularidades apontadas pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) na elaboração dos TACs, inclusive com responsabilização de Diretores da Anatel por danos ao erário público, o texto afirma que “o MCTIC e ANATEL preferem os caminhos tortuosos, incertos, ilegais e altamente prejudiciais ao interesse e patrimônio públicos.”
De acordo com o documento, o Plano “já nasce associado a problemas históricos e juridicamente questionáveis, como é o caso do descontrole sobre os bens reversíveis e as ilegalidades que envolvem bens e obrigações relativas às concessionárias”. O texto também se fundamenta no Acórdão 3311/2015, do TCU, que questiona a inconsistência do controle da Anatel sobre os bens reversíveis e aponta fragilidades e pouca transparência na regulamentação da matéria pela agência.
Leia a seguir o documento na íntegra:
A contestação dos investimentos em banda larga pelo PLC 79/2016 e pelos TACs
1. É lamentável que passados anos desde a privatização os governos que passaram pelo Ministério das Comunicações não tenham conseguido estabelecer um diálogo com a sociedade civil para estabelecer uma política pública fundamental, como a universalização do acesso à Internet. É assustador que as opções adotadas pelo atual governo dependam de caminhos tortuosos e ilegais, que já causaram grande controvérsia a ponto de estarem judicializadas. Insistem, tanto o MCTIC como a Anatel, queas fontes de financiamento para o novo plano, agora chamado de PERT – Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações – devem ser os recursos provenientes dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) a serem firmados com as Teles, que têm como objeto o valor de multas por descumprimento de obrigações, bem como dos bens reversíveis relacionados às concessões no serviço de telefonia fixa comutada a serem trocados por novos investimentos em redes de fibra ótica, conforme está previsto no Projeto de Lei da Câmara 79/2016.
2. Ou seja, o tal PERT, elaborado pela ANATEL, já nasce associado a problemas históricos e juridicamente questionáveis, como é o caso do descontrole sobre os bens reversíveis e as ilegalidades que envolvem bens e obrigações relativos às concessionárias, que são as empresas que concentram 85% do mercado de banda larga fixa no país.Tanto é assim que o questionamento a respeito do descontrole sobre os bens reversíveis por parte da ANATEL foi objeto do Acórdão 3311/2015, do Tribunal de Contas da União (TCU). Também a SeinfraCOM do mesmo TCU divulgou relatório de auditoria realizada por conta de Representação apresentada pelo próprio tribunal, em julho de 2016, em face da ANATEL, propondo medida cautelar a fim de que a agência se abstivesse de assinar TACs, até que fossem avaliadas as possíveis irregularidades encontradas, em razão do que os TACs estão suspensos neste momento.
3. Acordão 3311/2015 do TCU – O TCU e o Poder Judiciário já reconheceram que a ANATEL não tem controle sobre os bens reversíveis. Cumprindo seu papel de fiscalizar os serviços públicos, o TCU instaurou a auditoria relatada no processo TC 024.646/2014-8, que culminou com o Acórdão 3311/2015, com vistas a verificar a eficiência ou não da regulamentação, controle, acompanhamento e fiscalização dos bens reversíveis vinculados ao sistema de telefonia fixa comutada. Desses documentos pode-se extrair:
• “Foram identificadas inconsistências nessa RBR (relação de bens reversíveis) e nos procedimentos de controle e acompanhamento dos bens”.
• A unidade técnica apontou que a Anatel está buscando “regulamentar a matéria sem transparência”.
• A auditoria frisou ainda que: “os processos de regulamentação, controle e acompanhamento e fiscalização pela Anatel dos bens reversíveis possuem fragilidades, de forma que inexistem garantias da fidedignidade e atualidade dos registros desses bens”.
Em seu texto, o documento descreve “inconsistências”, “fragilidades”, “baixa transparência”, “descaso com o tema” e “descumprimento reiterado das obrigações legais”.
4. Ou seja, existe um grande risco de que toda a infraestrutura de telecomunicações nacional, constituída de prédios, equipamentos, sistemas e cabos, avaliada pelo próprio TCU em cerca de 108 bilhões de reais, seja entregue às concessionárias, com uma mudança radical no modelo regulatório das telecomunicações no bojo da aprovação do PLC 79/2016, sem a devida garantia de uma avaliação adequada e transparente.
5. Relatório da SeinfraCOM do TCU sobre os TACs TC 022.280/2016-2 – Este relatório traz informações surpreendentes. Primeiro a resistência da ANATEL em apresentar dados consistentes a respeito dos 37 pedidos de celebração de TACs pendentes, envolvendo R$ 9.181.440.215,12, sendo que os maiores valores correspondem a OI – R$ 6.574.241.320,46 e a Telefônica – R$ 1.770.629.868,25. Entre o pedido de esclarecimentos pelo TCU até a apresentação ainda inconsistente e contraditória de informações pela ANATEL se passaram mais de 8 meses. Algumas irregularidades apontadas pela Seinfra merecem destaque pela gravidade:
• irregularidades na negociação dos TACs na doutrina, na legislação vigente e no regulamento de TACs da ANATEL;
• irregularidades nos dispositivos de ajustamento de conduta aplicáveis a todos os TACs;
• irregularidades e deficiência no acompanhamento e fiscalização dos TACs pela ANATEL;
• irregularidades no procedimento de declaração de descumprimento do TAC e na execução das multas e do valor de referência do TAC;
• irregularidades e dano ao erário pelo menos de R$ 137,7 milhões identificados na atuação do Conselho Diretor da ANATEL nos processos de aprovação do ato de desconto dos compromissos adicionais de todos os TACs e de aprovação do TAC da Telefônica.
6. Encontramos a seguinte afirmação no relatório da SeinfraCOM: “… fica claro que a escolha dos municípios a serem atendidos pelos compromissos adicionais do TAC da Telefônica prioriza localidades que possuem um nível de desenvolvimento maior e mais avançado, em detrimento de regiões deficitárias, o que beneficia indevidamente a prestadora”. Em outras palavras, as desigualdades de atendimento regionais e sociais se acentuariam.
7. Esse quadro é um escândalo, quando consideramos que nós consumidores de telecomunicações recolhemos para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) aproximadamente R$ 2,5 bilhões por ano, que deixam de ser aplicados em novas redes para atender a demanda da sociedade brasileira, por omissão e inadequação de soluções por parte do Poder Público.
8. No estabelecimento do modelo da migração das concessões para autorizações, conforme preconiza o PLC 79/2016, o TCU também aponta para o risco de uma avaliação incorreta: “…. Nesse caso, chama a atenção a definição do fluxo de caixa da concessão ser avaliada apenas a partir da solicitação da migração até o fim do contrato, isto é, ignorando todo o período entre a assinatura dos contratos até a data da migração. Se o argumento para revisar o modelo é a insustentabilidade das concessões, era de se esperar que a concessão fosse avaliada como um todo, desde o seu princípio, com todas as receitas, despesas e obrigações associadas”.
9. É fundamental que o MCTIC e ANATEL trabalhem para fazer valer o que está expresso no art. 65, § 1º, da LGT, estendendo o regime público para a implantação de infraestrutura em novas redes de fibra ótica, aproveitando a extensa rede de cobre do STFC, possível de se aproveitar, por exemplo, pela aplicação da tecnologia GFAST, para prover banda larga em alta velocidade. É o que entidades da sociedade civil, reunidas na campanha Banda Larga é um Direito Seu, vêm reclamando há anos. Mas o MCTIC e ANATEL preferem os caminhos tortuosos, incertos, ilegais e altamente prejudiciais ao interesse e patrimônio públicos, e que definitivamente não garantirão os investimentos necessários para a implantação da banda larga.