Elaborado para garantir democracia e direitos como a liberdade de expressão e a privacidade na Internet, o Marco Civil entrou em nova fase do processo de sua regulamentação. Até o dia 29 de fevereiro, a sociedade civil poderá contribuir com a consulta pública que discute, basicamente, quatro temas da lei: a neutralidade da rede, a segurança de registros, a privacidade e a transparência. A queda de braço em torno da lei segue intensa.
A proposta de texto (disponível na íntegra aqui) sistematiza as contribuições recebidas da sociedade no primeiro processo de consulta pública, bastante criticado pelo movimento social. Esta é a segunda consulta lançada pelo governo para colher contribuições sobre a regulamentação da lei, sancionada em 2014.
Regulamentação segue contrapondo interesses públicos aos de corporações. A minuta de decreto, publicada no portal do Ministério da Justiça, desagradou a sociedade civil. Há uma avaliação de que o princípio da neutralidade da rede, considerado a ‘alma’ do Marco Civil da Internet, esteja comprometido [em miúdos, a neutralidade da rede garante a não-interferência dos proprietários da infra-estrutura da Internet no fluxo de conteúdos que por ela transitam].
“A minuta é generalista”, opina Renata Mielli, Secretária-Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. “O texto trata os pontos a serem regulamentados de forma vaga e principiológica, abrindo possibilidades para que as empresas de telecomunicações desrespeitem o que está estabelecido na lei, inclusive a neutralidade da rede”.
De acordo com ela, a lei dará poderes para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) regular internet, o que não é sua atribuição. “Internet não é telecomunicação, é serviço de valor adicionado”, argumenta. “A atribuição da Anatel é regular políticas de telecomunicação, coisa que já faz de maneira muito questionável em função da forte presença de interesses privados no interior do órgão. Agora vão regular também a Internet?”
Conferir demasiado poder à Anatel e relegar o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) à mera instância de consulta técnica era um temor da sociedade civil, conforme relata Mielli. “Essa era uma das preocupações desde antes da aprovação da lei. A lei não previu isso, deixou para depois e a proposta de regulamentação apenas confirma essa hipótese”.
Sergio Amadeu da Silveira, pesquisador de Redes Digitais e professor adjunto da Universidade Federal do ABC, também mostrou-se temeroso com os rumos do processo de regulamentação do Marco Civil. “A proposta de decreto abre a possibilidade de a Anatel tomar conta da Internet, pois dá a ela o poder de fiscalizar os provedores”, opinou em seu Twitter.
Sobre a guarda de registros, que diz respeito à privacidade, Sergio Amadeu classificou a minuta como “lamentável”. Segundo ele, o texto não deixa claro que quem guardar logs de aplicação não poderá comercializá-los ou cruzá-los, nem que a guarda de logs de conexão é uma obrigação de administradores de sistemas autonômos.
Apesar da preocupação com os bastidores e o lobby das empresas de telecomunicações, o processo de regulamentação ainda segue o espírito de construção coletiva da lei. Desenvolvida em código aberto, a plataforma permite ao usuário comentar, concordar ou discordar de cada parágrafo, inciso e alínea do texto, além de opinar sobre as proposições dos demais usuários.
O texto agora submetido à consulta está dividido em quatro capítulos com 20 artigos. Os primeiros capítulos são: Disposições gerais; Neutralidade de Rede – definindo exceções; Proteção de registros, dados pessoais e comunicações privadas; e Fiscalização e Transparência.