Tainá de Paula e o recorte social no enfrentamento dos desafios para o meio ambiente e clima no Rio de Janeiro

A primeira mulher negra a assumir a pasta de Meio Ambiente e Clima no município do Rio de Janeiro encontrou, desde os primeiros dias à frente da secretaria, grandes desafios a serem enfrentados. Tainá de Paula (PT-RJ) recebeu como missão o enfrentamento de questões que vêm se construindo ao longo de décadas em uma cidade que cresceu forjada em um processo de favelização e periferização. O cenário ambiental e social da cidade se insere em outro ainda maior: a inserção do Rio como peça fundamental na construção das articulações para conter a catástrofe climática e garantir as condições necessárias para a vida no planeta.

Convidada do programa Soberania em Debate, do projeto SOS Brasil Soberano, do SENGE RJ, Tainá apresentou os esforços e avanços da secretaria que, na sua gestão, trabalha prioritariamente com um recorte voltado para as áreas mais vulneráveis da cidade, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ambiental, com programas e linhas de atuação específicas para favelas e periferias.

“O Rio de Janeiro urbanizou mal o seu território e, hoje, precisamos correr atrás para enfrentar os resultados da falta de planejamento urbano, principalmente para os mais pobres. Passamos o século XX inteiro discutindo a ausência de políticas públicas de moradia e de uma discussão mais profunda sobre a proteção dos nossos recursos naturais. Não raro, a relação entre expansão urbana e a proteção ambiental foram temas conflitantes ao longo do último século e início do século XXI”, aponta a secretária.

Em uma cidade que tem mais de 40% do seu território em áreas de conservação, boa parte delas nas margens das duas maiores florestas urbanas do mundo – o Parque Nacional da Tijuca e o Parque Estadual da Pedra Branca -, o avanço urbano ilegal e desordenado evidencia, segundo, Tainá, um cenário “dramático”.

“As faixas marginais de proteção, as franjas dos rios, áreas que deveriam ser protegidas, estão fora do mercado formal, graças à negligência do Estado e às forças narcomilicianas. É o chamado ‘poder paralelo’, que de paralelo não tem nada. Sabemos bem como se constroem as ocupações irregulares nos territórios da cidade, ora pela milícia, ora pelo tráfico, ora pela união desses dois”, aponta a secretária.

Desafios do século XXI

Se no início do século XX o desafio da cidade estava na ocupação das encostas, hoje, o desafio está na ocupação das baixadas. “Temos grande dificuldade em garantir a proteção de áreas de unidades de conservação nessas áreas. Nas bacias dos rios Acari, Pavuna, Faria Timbó, na chamada Zona Oeste profunda, em Paciência, Senador Camará, Inhoaíba, há áreas que representam um desafio no que diz respeito à conservação”, aponta Tainá.

Tainá acredita que o olhar atento a recortes de classe e gênero são o destaque da sua atuação na secretaria. / Fotos Públicas
Tainá acredita que o olhar atento a recortes de classe e gênero são o destaque da sua atuação na secretaria. / Fotos Públicas

Não bastassem os problemas da cidade, acumulados por décadas e alimentados pela pobreza e pelo poder paralelo, a secretaria chefiada por Tainá tem, ainda, a responsabilidade de planejar e estabelecer ações no sentido de posicionar o Rio de Janeiro como referência no debate sobre as cidades no contexto da calamidade global provocada pelas mudanças climáticas. O desafio é tamanho que, em diversas cidades, como Niterói, por exemplo, as prefeituras já criaram secretarias dedicadas apenas à questão climática. No Rio, a secretaria de Meio Ambiente centraliza esses esforços.

“Uma das minhas funções é dar robustez, densidade à política climática da cidade, que passa por diferentes aspectos. Os estudiosos do clima vêm mostrando uma relação entre a passagem do El Niño e a mutação do vírus da Dengue. As mudanças climáticas vêm provocando uma maior incidência de chuvas, ondas de calor constantes, o aumento das ilhas de calor pela cidade. O próprio calor mata. Nós banalizamos muito esse fato, principalmente em cidades tropicais, que têm uma tradição de lidar com naturalidade com temperaturas mais elevadas”, destaca Tainá.

Políticas públicas

Sob a gestão de uma mulher negra e favelada, recortes de classe e gênero marcam os investimentos públicos da secretaria de Meio Ambiente e Clima, já partir da escolha dos agentes territoriais. “A paridade de gênero não é uma novidade, mas ela ainda é pouco aplicada. Quando chegamos na secretaria, 78% dos nossos agentes ambientais – as cerca de 1200 pessoas que atuam na ponta, à frente dos programas – eram homens. Então, inserir mulheres em programas estratégicos, articulando a nossa política de catadores, os programas Guardiões dos Rios, Guardiões das Matas, no atendimento em momentos de crise, tem sido importante. Elas fazem com que seus territórios acessem a secretaria e ajudam a adaptar os programas à realidade desses territórios. São elas que ‘carioquizam’ e ‘empretecem’ todo o linguajar técnico da educação ambiental, popularizando o debate ambiental”, destacou.

Embora o Rio de Janeiro tenha reunido um grande repertório de intervenções em favelas ao longo dos anos, nenhum deles as havia colocado como parte da solução, não como o problema. Também nisso, a gestão de Tainá inovou: hoje, as favelas são pensadas como territórios integrados, em um modelo que articula urbanização e meio ambiente.

O uso de drones para o reflorestamento de áreas de difícil acesso é uma das inovações na secretaria de Meio ambiente e Clima. / Fotos Públicas
O uso de drones para o reflorestamento de áreas de difícil acesso é uma das inovações na secretaria de Meio ambiente e Clima. / Fotos Públicas

O “Cada Favela, Uma Floresta” vem propondo debates e ações para a transformação das favelas em unidades verdes, ressignificadas, florestas que abrigarão comunidades tradicionais, com uma relação mais humana e ambientalmente referenciada entre os indivíduos. “Nenhum programa de urbanização tinha pensado, até então, urbanização e reflorestamento de forma articulada. Pensamos uma favela integrada às unidades de conservação, aos corredores verdes da cidade. Por que não pensar a favela unindo o Parque Nacional da Tijuca aos corredores verdes que se entranham na cidade? Por que ela não pode ser parte de um ecossistema mais amplo, verde e urbano?”, questiona.

Entre as muitas ações realizadas em todo o município para a solução de problemas relacionados à coleta de resíduos, a proteção dos mangues e à educação ambiental, Tainá destaca um programa que selecionou, formou e levou jovens de favelas e periferias até a Semana do Clima, em Nova York. Eles também levarão suas experiências e pautas para os debates da COP 30, em Belém, em 2025.

“É a primeira vez que o Rio, uma cidade tão simbólica na pauta climática, prepara lideranças e forma uma delegação de jovens de diversas favelas e periferias para trabalhar o advocacy do Rio de Janeiro nos fóruns internacionais. Os jovens do Alemão, Acari, Rocinha, Vila Cruzeiro estão construindo uma rede de juventude das cidades do Sul Global. Nela, Rio, Cairo, Marrakech, Quito e diversas outras cidades dessa periferia subdesenvolvida se conectam e dizem ‘nós estamos sendo impactados e não podemos pagar essa conta sozinhos’. Nada é mais estratégico que a juventude. Temos exemplos como a Greta Thunberg, ativista sueca brilhante, que vem desde a sua primeira juventude, articulando com outros jovens e pleiteando, posicionando dados e metas importantes que chegam às mesas de negociação”.

Amanda Menezes, uma das jovens que integram o programa Jovens Negociadores pelo Clima / Reprodução Linkedin.
Amanda Menezes, uma das jovens que integram o programa Jovens Negociadores pelo Clima / Reprodução Linkedin.

Na conversa com a jornalista Beth Costa, a secretária de Meio Ambiente e Clima falou, ainda, sobre o combate à epidemia de dengue, a especulação imobiliária e de sua participação na formulação e inclusão de um capítulo dedicado às favelas no Plano Diretor do Rio de Janeiro.

“O capítulo dedicado às favelas me orgulha muito e, de certa forma, sintetiza toda a nossa reflexão sobre a cidade a partir desses olhares mais sensíveis à pauta da favela e das periferias. O Plano Diretor ainda nos mostra uma cidade extremamente burocratizada, que dá conta dos seus processos de ocupação, mas que objetivamente não posiciona o Rio como uma cidade resiliente, mais verde. Talvez, nos próximos 10 anos, a gente possa massificar a ideia de que a nossa cidade precisa compreender seu maior objetivo: ser uma cidade verde, ser uma cidade floresta”.

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.

 

Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Foto em destaque: Reprodução/Voz das Comunidades

 

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