Instituto Telecom*
Em seminário realizado na semana passada, o secretário do Tribunal de Contas da União (TCU), Paulo Sisnando de Araújo, afirmou que a “lei que alterou as regras das telecomunicações, a 13.879/19, não alterou o conceito de bens reversíveis”. Afirmação que vai em sentido totalmente contrário às posições externadas oficialmente pelo próprio TCU.
Na verdade, essa Lei altera a Lei Geral de Telecomunicações para permitir a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização. Um dos pontos centrais são os chamados bens reversíveis (cabos, postes, fibras óticas, centrais, prédios). São 40 milhões de itens que, segundo o TCU, valem R$ 120 bilhões e sairiam das mãos da União para o patrimônio das concessionárias Oi, Vivo e Claro. Em troca, supostos compromissos (não obrigações) de investimento em redes de suporte à banda larga por parte dessas operadoras.
Ocorre que a Lei 13.879/19 alterou radicalmente a caracterização dos bens reversíveis, de uma visão patrimonialista para uma visão funcional. Decorrente dessa lei, foi publicado o Decreto Presidencial 10.402, de 17 de junho de 2020. Assim, a Anatel poderá reforçar sua postura equivocada, já denunciada pelo próprio TCU, sobre esses bens, insistindo na visão funcionalista (são reversíveis à União apenas parte dos bens), enquanto o Tribunal de Contas da União estabelece, já há algum tempo, que o correto é a visão patrimonialista (todos os bens do Serviço Telefônico Fixo Comutado são reversíveis à União ao final da concessão).
A Anatel até hoje não tem a listagem dos bens reversíveis. Por isso, foi instada pelo TCU a realizar o levantamento de todos os bens reversíveis das empresas de telecomunicações. A agência deixou que as concessionárias alienassem, sem nenhum controle, bens reversíveis, o que resultou em prejuízo bilionário às concessões, ou seja, ao erário da União.
A Anatel, ao invés de fazer o levantamento, divulgou a Consulta Publica nº 05 (CP nº 05) de 2020, que tratou da adaptação do regime de concessões do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) para o de autorizações. A CP nº 05 utiliza para o cálculo dos bens reversíveis a Visão Funcional Fracionada, em completo desacordo com o acórdão 2142/2019 do Tribunal de Contas, que, seguindo a LGT e os contratos de concessão, determina a utilização da Visão Patrimonialista. Essa divergência configura um enorme prejuízo ao erário e à sociedade brasileira. Mais uma vez favorecendo a elite econômica das telecomunicações em detrimento dos interesses nacionais.
Dessa forma, é muita estranha a afirmação de Paulo Sisnando de Araújo. Ou ele se equivocou, o que é lamentável para um agente público quando trata de tema tão sensível, ou o TCU mudou de posição, no que não acreditamos. Reivindicamos que os Ministros do Tribunal venham a público esclarecer sua interpretação sobre os bens reversíveis tratados na Lei 13.879/19. Não podemos ter um TCU contra o TCU.
* Publicado pelo Instituto Telecom no dia 4 de agosto de 2020
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