O que antes era “apenas um estudo” virou proposta a ser votada a toque de caixa. Em cerca de um mês, uma assembleia de acionistas poderá decretar a dissolução e absorção de Furnas pela estrutura da Eletrobras privatizada. Trabalhadores e trabalhadoras resistem: no último dia 30 de novembro, um ato em frente ao anexo 2 da Câmara dos Deputados levou aos parlamentares a denúncia do apagamento da empresa que entrou para a história nacional como a responsável pela energia que fez da região sudeste o que é hoje.
Gigante, Furnas é uma das últimas trincheiras do sistema elétrico nacional com foco no fornecimento de energia em detrimento da distribuição de dividendos. São 22 usinas hidrelétricas, duas termelétricas, cinco parques eólicos, 75 subestações, cerca de 34 mil km de linhas de transmissão e casa de uma equipe politizada e aguerrida na defesa do sistema elétrico nacional.
Se absorvida, o apagamento histórico pode vir com danos consideráveis para a população. Segundo o boletim unificado do Coletivo Nacional dos Eletricitários, há risco de descontinuidade do negócio em meio a um processo de reestruturação que vem apresentando falhas críticas para a segurança energética. “O processo em curso é de aniquilamento da engenharia de retaguarda para o suporte seguro da operação e manutenção do sistema com riscos para a continuidade da prestação dos serviços”, destaca o texto.
Vidas e abastecimento em risco
Com 4 mil demissões de quadros técnicos experientes programadas, apagões recorrentes e explosões de equipamentos, a incorporação de Furnas deve aprofundar a política de enxugamento de folha sem a preocupação com a retenção de conhecimento técnico. O desequilíbrio tributário dos entes federativos envolvidos é outra preocupação. “A Eletrobras busca com a incorporação, uma ‘otimização tributária’, que lesa os entes federativos. A redução da arrecadação leva a maiores restrições orçamentárias, com precarização dos serviços prestados à população”, destaca o CNE.
Os riscos se alastram em uma infinidade de cenários de tragédias evitáveis. Mantidas íntegras por Furnas nas últimas seis décadas graças a procedimentos rigorosos de manutenção preventiva, as barragens, após a incorporação, entram na lógica de mercado que vem guiando as ações da diretoria da Eletrobras privatizada, com desdobramentos imprevisíveis. “A política de desinvestimento e do ‘lucro pelo lucro’ adotada pela Eletrobras eleva também o risco de desastres com as barragens que foram mantidas íntegras, até agora, por Furnas. Nesse caso, cabe lembrar dos tristes episódios de barragens rompidas da Vale, que na gestão ‘lucro pelo lucro’, abandonou procedimentos preventivos seguros e provocaram a perda de milhares de vidas e tragédias ambientais”, destaca o coletivo.
Pela memória e pelo Brasil
Do ponto de vista histórico, de sentimento de nação, de pertencimento e de construção nacional coletiva, a incorporação de Furnas, por si só, é um desastre anunciado. Se votada e aprovada, será um duro golpe na imagem e memória da empresa idealizada por JK em 1957 e que trouxe luz para a região sudeste ser mola propulsora do desenvolvimento nacional.
Nada disso, no entanto, acontecerá sem luta: “Nós não ficaremos parados. Já acionamos nossos jurídicos, estamos programando atos para alertar à população sobre todos estes riscos e faremos audiências públicas para mobilizar parlamentares, além de articulações com o governo federal, maior acionista da Eletrobras. A sexagenária história de Furnas não pode ser apagada por meia dúzia de gafanhotos que tomaram a Eletrobras de assalto!”, finaliza o boletim.
O tema será pauta, no próximo dia 14 de dezembro, às 13h, de audiência pública na comissão de Administração e Serviço Público do Congresso. Requerida pelos deputados Rogério Correia (PT-MG) e Reimont (PT-RJ), a audiência tratará dos impactos da incorporação de Furnas para o Brasil.