Vice-presidente da Eletrobras desdenha de cotas em promoções que consideram políticas de reparação

“Eu detestaria ser promovida num ambiente de cota porque nunca iria saber se foi pela cota ou pela minha competência”. A declaração é de Camila Gualda Araújo, vice-presidente de Governança, Riscos, Compliance e Sustentabilidade da Eletrobras privatizada. Em tempos de vazamentos de conversas privadas sobre temas delicados e, muitas vezes, criminosos, a vice-presidente inova: abre mão da necessidade de vazamento e faz a declaração publicamente, em vídeo disponível no canal Memória da Eletricidade, no YouTube.

A denúncia do Sindicato dos Urbanitários do Maranhão aponta a falta de sintonia entre a direção da Eletrobras e a realidade brasileira e as muitas políticas de reparação amplamente reconhecidas como necessárias e urgentes e, por isso, inclusas na legislação.

Não é novidade que as ações afirmativas são consideradas fundamentais na gestão de empresas compromissadas com o conjunto de valores e critérios éticos para políticas ambientais, de governança e sociais, o tão perseguido ESG. A diversidade e inclusão, engajamento e responsabilidade social, todos sob o guarda-chuva do “S” da sigla, a contar pela declaração da vice-presidente, são considerados de menor importância na gestão da companhia. 

“Lamentamos a posição da diretora da Eletrobras que, apesar de um currículo extenso, revela ignorância quando o assunto é políticas afirmativas e de reparação, que visam compensar as distorções e diferenças sociais do nosso país e permitir que aqueles historicamente menos favorecidos possam competir com os também historicamente privilegiados em pé de igualdade, ou melhor, de equidade”, destaca o informativo Urbanitários Eletronorte, de 19 de março.

No mesmo tom do ex-presidente e criminoso condenado, Jair Bolsonaro, a fala da vice-presidente da Eletrobras privatizada, carregada de preconceitos, vai na contramão das melhores práticas de gestão do mercado e do próprio entendimento – já bastante difundido e priorizado pelas empresas – sobre a importância de alinhar políticas corporativas com as necessidades e urgências do mundo contemporâneo. Reafirma um passado que já deveria ter sido superado, mas encontra obstáculos justamente em pensamentos como o da diretora.

“A fala da diretora reflete a necessidade do Governo retomar a governança de nossas empresas e reestabelecer a Eletrobras como uma empresa cidadã, imune a preconceitos como o da diretora Camila Gualda, mulher branca, de classe média alta que, apesar de trabalhar com temas como governança, compliance e sustentabilidade, não demonstra, na entrevista, conhecimento sobre os marcadores sociais que definem fortemente as relações, inclusive trabalhistas, no nosso país. As cotas não podem ser motivo de marginalização ou desprezo. Seja de gênero, raça/etnia, ou para pessoas com deficiência, são lei e devem ser respeitadas”, exige o sindicato.

Felipe Araújo, diretor da Associação dos Empregados de Furnas (Asef) e do sindicato dos Engenheiros no rio de Janeiro (Senge RJ), destacou, em reunião aberta da Asef, transmitida pelo Youtube, que o episódio representa uma mancha na história da eletricidade brasileira, que poderia ser evitada se a vice-presidente evitasse tratar de assuntos que não domina.

Qualquer um que tenha algum entendimento intelectual sobre a questão identifica a desonestidade e desconhecimento nas falas da diretora. Elas são ainda mais graves no contexto de uma entrevista para o registro da memória da eletricidade. É um crime intelectual. Se colocar contra o sistema de cotas com base em argumentos vazios, puramente meritocráticos é desconsiderar completamente os processos históricos que subsidiam um debate técnico-científico, de longa data, a respeito da viabilidade e da legitimidade das políticas de cotas no Brasil e no mundo. Todos nós temos as nossas limitações intelectuais. Admitir ser alguém desqualificado para tratar de determinado assunto, principalmente em casos tão relevantes como este, é importante para evitar esse tipo de mancha vergonhosa na nossa história”, finaliza Araújo.    

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Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Imagem:  Fernando Frazão/Agência Brasil

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