Zé Dirceu: ‘Por justiça com a minha história, tenho o direito de voltar à Câmara como deputado’

No BdF Entrevista, Dirceu faz análise da conjuntura do Brasil e revista pontos de sua trajetória política

A história de José Dirceu é de reviravoltas, da saída do Brasil na ditadura até volta ao país com outro nome e uma cirurgia plástica para escapar dos militares. De uma das principais figuras da política nacional e possível sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência da República até a cassação do mandato de deputado federal em 2005. Das duas prisões na década passada até o retorno ao Congresso Nacional na condição de orador em sessão legislativa que celebrou a democracia brasileira, 19 anos depois de perda de seu mandato.

É esse o personagem que nesta semana participa do BdF Entrevista. Dirceu recebeu o programa em sua casa, em São Paulo, para uma hora de conversa, onde passou a limpo importantes passagens de sua vida e fez uma análise aprofundada da conjuntura nacional e dos contornos da geopolítica internacional.

Ministro-chefe da Casa Civil entre 2002 e 2005, ele afirma, no entanto, que não guarda mágoas do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pela cassação de seu mandato no âmbito das investigações do mensalão, quando políticos do Partido dos Trabalhadores foram acusados de desviar valores de publicidade ao pagamento de deputados federais em troca de votos favoráveis em matérias do governo no Congresso.

“Isso é política, luta política, processo histórico, vai decantar”, diz o político. “Eu fui cassado por razões políticas e condenado por razões políticas, quase confessado pelos ministros. Para me condenar, eles inventaram o domínio do fato. Inventaram, não, já existia, mas eles adaptaram. O próprio criador [da tese jurídica] disse que não era o caso para me condenar. Eles não têm prova nenhuma contra mim, eles me condenaram pelo domínio do fato”, completa Dirceu.

Com o seu retorno ao Congresso Nacional, especulou-se a possibilidade de uma candidatura ao Legislativo em 2026. Dirceu se esquiva e explica que não pensa em uma candidatura. Mas deixa o futuro em aberto. “Vou analisar qual o papel que eu posso exercer, porque eu já vou estar chegando nos 80 anos junto com o nosso presidente Lula“.

“Primeiro nós temos as eleições municipais. Eu tenho a minha vida profissional e tenho também, ainda, que buscar a anulação ou absolvição do meus processos, eu ainda tenho duas condenações que estão no STJ. Tenho pedidos no Supremo, tanto de anulação como de prescrição”, aponta Dirceu.

A possibilidade de volta ao Congresso, no entanto, seria, nas palavras de Dirceu, “justiça com a minha história, a minha luta”. “Como me caçaram sem nenhuma prova de nada, foi uma cassação política para me tirar da vida institucional do país, e me tirar do governo e do PT, acho que eu tenho, por justiça, o direito de voltar à Câmara”.

Na conversa (que pode ser vista na íntegra no vídeo acima), Dirceu ainda fala sobre a relação do governo Lula com o Congresso Nacional e os conflitos entre Arthur Lira (PP-AL) e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sobre a crise na Comunicação do governo federal e as eleições na Venezuela.

Confira abaixo trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Queria começar essa conversa falando sobre uma nova postura que o senhor tem adotado. O senhor retornou ao Congresso Nacional, 19 anos depois da última visita, que foi em 2005, por conta do afastamento do julgamento do mensalão. Como foi essa volta? O senhor também tem mantido contacto com a classe política em Brasília. É importante esse retorno como interlocutor no Legislativo?

José Dirceu: Na verdade, eu nunca deixei de fazer política nesses 20 anos da minha cassação, que foi na madrugada de primeiro de dezembro de 2005. Eu tomei a decisão de não voltar mais ao Congresso Nacional, mas como era o Senado que me convidava, o senador Randolfe Rodrigues, e era uma homenagem ao João Goulart, em memória daqueles que lutaram contra a ditadura, eu tomei a decisão de ir.

Falei do Brasil, falei das Forças Armadas, e também do nosso compromisso irrenunciável com a memória dos mortos e desaparecidos. E também com a Comissão da Verdade, para que seja feita justiça àqueles que foram assassinados pela ditadura e até hoje seus corpos não foram devolvidos às suas famílias, para que eles tenham uma sepultura digna.

E como o senhor viu a posição do governo federal em não fazer nenhum ato em memória dos 60 anos do golpe? 

Essa foi a decisão do presidente da República, ele deve ter tido as razões de estado, mais que de governo, para fazê-la. Deduzo que seja pelas relações com as Forças Armadas, virando a página da tentativa de golpe de 8 de janeiro. Eu falei no meu discurso, expressei a minha opinião. Acho que precisa fazer uma reforma nas Forças Armadas. Esse assunto tem que ter sido debatido com o país.

Existe no Congresso Nacional a política de defesa nacional, a estratégia e o Livro Branco. É o momento de se discutir as Forças Armadas, não para não ter Forças Armadas e não contra elas. Pelo contrário, eu disse também que o Brasil é uma potência e nesse mundo de hoje, está claro que cada país tem que cuidar da sua soberania alimentar, energética e também tecnológica. O Brasil ainda tem que reconstruir essa soberania tecnológica.

E o país precisa de Forças Armadas. Mas elas precisam ser democratizadas, vamos dizer assim. Porque na transição da ditadura para a democracia ficou o artigo 142, e as Forças Armadas ficaram, de certa forma, um estado dentro do estado. A única porta de entrada é a escola Agulhas Negras. Um cabo, um sargento, quando chega a capitão não pode mais acender.

Tem o problema da educação, do currículo, tem o problema das promoções do Ministério da Defesa, são vários problemas que precisam ser debatidos, sem nenhum preconceito, sem nenhuma atitude de negação das Forças Armadas.

À época da Casa Civil, o senhor tinha boa interlocução com a cúpula militar?

Tinha, a interlocução era muito boa, nunca existiu problema com as Forças Armadas. Inclusive nós chegamos, em comum acordo, o ministro [das Relações Exteriores] Celso Amorim, o ministro [dos Direitos Humanos] Nilmário Miranda, o ministro [da Justiça] Márcio Thomaz Bastos, e a Casa Civil, por determinação do presidente Lula, sobre o apoio que as Forças Armadas dariam para a busca dos mortos desaparecidos, inclusive no Araguaia, que a Aeronáutica daria também.

O oficial, o soldado ou o suboficial das Forças Armadas que quisesse prestar depoimento sobre os fatos daqueles anos, poderia se apresentar. Tudo isso depois teve seu desdobramento. Na verdade, essa busca por mortos e desaparecidos continua, sempre houve muito conflito. Mas, ao mesmo tempo, sempre houve diálogo.

Eu creio que essa é uma questão nacional, que em um determinado momento deve ser discutida. Não sei se é agora, porque o país tem muitas urgências. Nós estamos enfrentando esse cenário internacional com o risco de ter uma guerra entre o Irã e Israel, o país também tem que se debruçar mais sobre os problemas do crescimento, do desenvolvimento econômico, social, do que essa questão militar.

Não digo que tem uma urgência, mas acho que o país precisa virar essa página. É verdade que estão sendo processados vários oficiais superiores das Forças Armadas, que o Supremo Tribunal Federal já determinou que não existe poder moderador. Mas, mesmo assim, eu acho que precisamos de uma discussão nacional, de uma repactuação do papel da organização, do papel das Forças Armadas.

Até porque o Brasil fará grandes investimentos na modernização das Forças Armadas, tanto da Marinha, da Aeronáutica, como do Exército. O presidente, inclusive no PAC, destinou cerca de R$ 50 bilhões e tanto. Tem também as relações internacionais das Forças Armadas, particularmente com os Estados Unidos. Não vou nem discutir as questões de aposentadoria, do soldo dos militares, das pensões, isso já está consolidado, são direitos que eles adquiriram.

Acho que nós precisamos discutir o futuro, até porque o Brasil precisa ter uma Força Armada para o mundo tecnológico de hoje. Para a energia nuclear para fins pacíficos, a modernização da Força Aérea, a modernização dos blindados, uma nova Marinha praticamente, porque a que nós temos, em grande parte já está sucateada. Hoje, no fundo, ela faz papel de guarda costeira, de fronteira, e isso não é papel das Forças Armadas.

Foi utilizada agora nos portos e aeroportos… 

É, com a GLO. Tenho muitas dúvidas se as Forças Armadas devem ser usadas para a luta contra o narcotráfico, não tem sido uma boa experiência nos outros países e contamina as Forças também, precisa tomar muito cuidado.

E mesmo a GLO, no Rio de Janeiro, também se mostrou um grande fracasso aí e propulsor de outras tantas coisas. Seguindo ainda neste tema, desde o final da ditadura, a gente não conseguiu examinar esses fantasmas da ditadura. A Argentina, o Uruguai, o Chile, por exemplo, fizeram, até a Guatemala fez.

No fundo, é um pacto histórico, porque foi transacionado, na saída da ditadura para a democracia, na Constituição de 1988. E o Supremo depois chancelou a questão da anistia aos crimes conexos, e entendeu que os crimes praticados em nome do estado pelos militares e civis que serviam à ditadura. Evidentemente que o crime de tortura e desaparecimento de corpos são crimes imprescritíveis.

Mas essa é uma questão que, do ponto de vista, vamos dizer assim, constitucional e legal, está resolvida. Porque o Supremo pôs uma pedra nisso e classifica esse débito como uma dívida histórica…

E isso, talvez faça renascer, de tanto em tanto, esse intento golpista, como aconteceu em 2022? 

Eu acho que a questão dos golpes, da tentativa de golpe em 1955 – porque diziam que o Getúlio [Vargas] devia ter tido um voto majoritário e não estava na Constituição, era maioria simples – que o [Marechal] Lott deu um contragolpe, o de 1961 e 1964, que ficaram 21 anos no poder, e tanto no golpe jurídico parlamentar, que foi o impeachment [de 2016], como na eleição do [Jair] Bolsonaro e no 8 de janeiro, dá para dizer que realmente o problema voltou. Tanto voltou que estão sendo julgados. Tanto voltou que o Supremo fez um inquérito que está investigando e condenando vários oficiais.

Voltando para a primeira pergunta ainda, o senhor pensa em uma candidatura ao Congresso Nacional em 2026?

Não, não penso em uma candidatura. Primeiro nós temos as eleições municipais. Eu tenho a minha vida profissional e tenho também, ainda, que buscar a anulação ou absolvição do meus processos, eu ainda tenho duas condenações que estão no STJ, eu tenho pedidos no Supremo, tanto de anulação como de prescrição.

E segundo o PT tem um Congresso muito importante. Porque como o PT não fez Congresso em 2023, são sete anos praticamente sem Congresso e vai haver uma renovação na direção do PT, que eu defendo que seja mais do que uma renovação da direção, seja uma renovação do PT. Que o PT faça um balanço histórico desses últimos 20 anos, desde a eleição do Lula em 2002.

E que o PT se reorganize para enfrentar essa nova conjuntura mundial e no Brasil, porque hoje os partidos de direita não são mais os partidos do passado. Hoje eles têm programas, é só ver a propaganda eleitoral deles, ver eles votando na Câmara e no Senado, debatendo, discutindo o país.

E um grande aprofundamento social…

Eles têm base social popular, inclusive, estão se transformando em partidos com sede e organização, todos eles, o PL, o PP, o PR, o União Brasil, o Republicanos. E se você olhar o nosso lado, você vai ver que nós estamos com um grande déficit. O apoio que o PT tem hoje, tanto eleitoral como social, não corresponde à organização que o PT tem, então o déficit é muito grande.

E também tem que ter uma renovação, tem que ter novos quadros, novas lideranças, porque nós estamos todos batendo os 60, 80 anos, tem duas gerações aí que já estão batendo 65, 70, 75, 80 anos. Acho que depois, no final de 2025, aí eu vou analisar qual o papel que eu posso exercer, porque eu já vou estar chegando nos 80 anos junto com o nosso presidente Lula. Aí eu vou analisar se eu posso ou não ser candidato.

Mas tem vontade de participar do debate no Legislativo ainda? 

Eu disse uma vez e até tiraram, por justiça, disseram que eu parecia pretensioso. Eu acho que por justiça, como me caçaram sem nenhuma prova de nada, foi uma cassação política para me tirar da vida institucional do país, e me tirar do governo e do PT, acho que eu tenho, por justiça, o direito de voltar à Câmara. Até pra fazer justiça com a minha história, a minha luta.

Mas isso é uma questão que eu preciso discutir junto com o PT, junto com meus companheiros e companheiras, junto com o presidente Lula, se ele quiser opinar. Eu acho que é muito cedo ainda pra pensar nisso.

Imagino que seja uma unanimidade internamente no PT e para quem vê de fora parece também muito lógico, uma aposta na reeleição do presidente Lula em 2026. O senhor acha que esse é o caminho mesmo? 

Acredito que sim. Eu tenho falado em 12 anos de governo, porque as mudanças que nós precisamos fazer no Brasil, as reformas, elas necessitam de uma continuidade administrativa e elas têm que ser feitas por etapas, porque nós não temos maioria na Câmara e no Senado. Você tem que buscar acordos.

O trabalho dos ministros para aprovar, na Câmara e no Senado, os projetos de lei, é um trabalho dobrado, vamos dizer assim. Porque nós temos que compor uma maioria com aliados que muitas vezes não têm o mesmo programa econômico que o nosso. Tem o mesmo fundamento da defesa da democracia, o mesmo fundamento, muitas vezes, na questão ambiental ou na questão social, mas não em determinadas questões.

Nós estamos vendo agora mesmo essa questão da saidinha, essa questão da criminalização de todo porte de drogas – que na verdade é o delegado [quem decide quem vai ser preso], não é o policial, o policial não tem autoridade delegada por ninguém para fazer isso. Isso mostra a dificuldade que você tem.

Então, você tem que ter um projeto político como nós tínhamos em 2002, que foi bem sucedido. Nós ganhamos cinco eleições presidenciais, só não ganhamos a sexta, que foi de 2018, porque o Lula foi levado injustamente, num processo, como eu sempre digo, político de execução sumária, à prisão. E não pôde fazer a campanha, porque se ele pudesse fazer a campanha, o Haddad teria ganho.

Acho que a reeleição do Lula faz parte desse projeto e a construção, depois, de uma alternativa no PT, ou em outro partido, para 2030. Porque nós também temos aliados que podem querer disputar, como aconteceu com o Garotinho, que disputou conosco em 2002, o Eduardo Campos que disputou em 2014 com a Dilma, e era do nosso campo.

Nós temos que pensar na reeleição do Lula para dar continuidade a essas reformas que nós estamos iniciando. Nós temos a reforma do imposto de renda, de lucros e dividendos, que é muito importante. Porque o Brasil tem uma estrutura tributária que expropria a renda do trabalhador e, de certa maneira, cobra pouco imposto daquele 1% que tem quase um quarto da renda do país, ou dos 10% que tem 100%.

Sobre a nova esquerda na América Latina, o senhor que tem um amplo conhecimento da esquerda e acompanhou de perto seu crescimento no continente, ela é uma esquerda que tem visões dissonantes. Por exemplo, o Gabriel Boric é um sujeito que tem restrições à Venezuela. Que esquerda é essa? É só um progressismo? 

É que cada um está preso onde pisa, ao seu solo pátrio. O Chile, como passou por uma ditadura e teve um processo democrático já há quase 40 anos, tem a sua correlação interna, ele reage perante os problemas de outro país de acordo com a sua situação interna também, e com a visão que o partido ou o governo tem sobre as questões internacionais. Essa questão da democracia para nós é muito cara, porque nós sofremos uma tentativa de golpe e sofremos o golpe. E o Chile teve uma ditadura. A Colômbia, aliás, teve guerra civil durante quase 100 anos, então é preciso levar isso em conta também.

O importante na Venezuela é que haja uma eleição e que a comunidade internacional veja como uma eleição que seguiu os ritos a partir da situação da Venezuela. Querer que alguém que tentou dar um golpe, que apoiou uma intervenção externa, que apoiou um governo totalmente ilegítimo, que era o do chamado presidente [Juan] Guaidó, seja candidato, sendo que já foi processado e condenado, não é possível.

Vamos torcer para que tudo corra bem, porque as sanções que os americanos impuseram à Venezuela, é responsável pelo êxodo de 2 milhões, 4 milhões, ou 6 milhões de pessoas – cada um diz uma cifra, mas houve – e da crise econômica da Venezuela, que estava exportando 3, 4 milhões de barris de petróleo, com a população que tem, é um país de renda média.

E o [Hugo] Chaves fez uma revolução social, tanto na área da educação, da saúde, da habitação e da renda. Mas um país que tinha US$ 57 bilhões de receita, cair para US$ 600, US$ 700 milhões…Quer dizer, nós temos que entender o que que significa você acordar e o país estar fora do sistema financeiro mundial e não poder exportar a principal riqueza dele, que é o petróleo. E ter sequestradas as suas reservas, como se sequestrassem as reservas do Brasil de US$ 340 bilhões, e tirassem o Brasil do sistema financeiro. Seria um caos no Brasil.

Então, essa questão das sanções é uma questão que a comunidade internacional tem que discutir e debater. Um país pode aplicar sanções, mas nós não temos Nações Unidas, não temos um governo mundial, então isso é um problema. E as sanções foram muito duras, como tem sido pro Irã. Fora a questão da Rússia também, que não serviu para nada as sanções, porque como a Rússia é um país continental e tem uma retaguarda de riqueza, tem a Índia e a China como mercados em outras moedas.

Estava lendo a sua biografia, que é interessantíssima, por sinal. O senhor vai pincelando durante todo o livro, a participação da mídia em todos os momentos do país, na ditadura, como ela fomentou e participou também. Nos ataques mais contundentes ao PT e ao senhor, inclusive. No entanto, lhe é atribuída uma frase que dizia não ser necessária uma TV pública no Brasil, porque o governo tinha a Globo como aliada. Primeiro ponto, ela é verdadeira? 

Não, eu nunca falei isso. Foi o Roberto Requião que falou que eu falei. Veja bem, a imprensa tem lado. A imprensa hoje está muito conectada com o capital financeiro, as revistas e os jornais, ela tem um lado e ela tem todo o direito de ter. Nós é que temos que ter uma imprensa também, com um outro lado.

E tem aí objetividade na informação, na investigação, os fatos, mas tem a linha editorial. E tem os articulistas que escrevem. Eu mesmo escrevo, acabei de publicar um artigo no Globo, publiquei um na Folha. Tem uma disputa política, o problema é que a nossa mídia apoiou o golpe de 1964 e, de certa maneira, apoiou a eleição do Bolsonaro. Depois se opôs à tentativa autoritária dele de implantar uma ditadura no país. Nesse sentido, foi nossa aliada na luta pela democracia, devemos separar isso também.

O nosso problema é que nós temos que desenvolver, agora que temos as redes, a nossa comunicação. Agora não podemos nos queixar, porque televisão é uma coisa caríssima, jornal é uma coisa caríssima e precisa ter anunciante, publicidade. Mas hoje nós temos as redes, então o nosso desafio é pelas redes, fazer a disputa.

E depois, o seguinte, nós temos partidos, sindicatos, associações de moradores, clubes, movimentos sociais importantíssimos como o próprio MST, tem a Contag, tem a CUT, tem centenas de milhares de associações de bairro e nós precisamos ter uma política de comunicação para tudo isso. Eu acho que nós entramos muito tarde nas redes, a esquerda, vamos dizer. Lógico, a direita tem o poder econômico, teve um apoio internacional, porque hoje existe uma Internacional da extrema direita. Não existe uma Internacional da esquerda.

Tem essa questão do [Elon] Musk, do [Donald] Trump, do [Javier] Milei, da [Giorgia] Meloni, do [Viktor] Órban. E por outro lado, o capitalismo financeiro, a globalização, ele desconstruiu o estado de bem-estar social e desconstruiu a estabilidade das classes médias operárias. Isso criou um vazio que a extrema direita ocupou com o problema da imigração, com o problema religioso e a revolução moral que está havendo.

Porque há um choque, tanto no Brasil, como em todo mundo, por isso que essa discussão sobre aborto, sobre casamento do mesmo sexo, a homofobia, a religião, tudo isso pesa também. Um terço da população não aceita as mudanças que estão acontecendo, como já aconteceu em várias fases da humanidade. Mesmo na década de 1960, também a minha geração produziu uma revolução cultural que teve muita resistência.

O senhor guarda algum rancor do STF por todos esses processos? 

Não, isso é política, luta política, processo histórico, vai decantar. Porque eu fui cassado por razões políticas e condenado por razões políticas, quase confessado pelos ministros. Para me condenar, eles inventaram o domínio de fato. Inventaram, não, já existia, mas eles adaptaram. O próprio criador [da tese jurídica] disse que não era o caso para me condenar. Eles não têm prova nenhuma contra mim, eles me condenaram pelo domínio do fato.

Aliás, eu virei corrupto e bandido em 48 horas, sendo que na minha história eu não tinha uma investigação, a não ser a luta contra a ditadura, a prisão, que eu tenho honra e orgulho. Não de ter sido preso, que você não pode ter orgulho de ser preso, mas de ter lutado contra a ditadura.

Então isso aí são fatos históricos. O Supremo mudou, o Supremo foi o grande sustentáculo da Lava jato e depois, quando se deu conta do que era a Lava jato, passou ela a limpo – está passando, com contradições e tudo, mas está passando. Se eu guardasse mágoa e ressentimento eu já tinha morrido faz muito tempo. Eu não guardo mágoas e ressentimento de nada.

Eu sei muito bem o que aconteceu, guardo a memória, sempre lembro e quero justiça, mas não sou de guardar mágoa e ressentimento contra nada. Não faz parte da minha formação. Na escola em que fui formado, isso aí não existia.

 

Fonte: Brasil de Fato
Entrevista: José Eduardo Bernardes

Edição: Thalita Pires

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