A sensação era unânime — e, portanto, provavelmente real: esta foi a primeira vez que uma articulação desse porte, reunindo tantas entidades da engenharia nacional com diferentes perspectivas políticas e sociais, foi realizada. A afirmação permeou vários discursos na mesa de abertura da 1ª Reunião Anual do Fórum da Engenharia Nacional, que, em 2 de junho, reuniu representantes de entidades que nem sempre estiveram do mesmo lado nas muitas disputas travadas no âmbito das engenharias, do exercício profissional e da política.
A força capaz de agrupar visões de mundo divergentes foi o consenso de que é urgente destravar o desenvolvimento nacional para construir um Brasil soberano. Independentemente de cores partidárias e ideologias, a janela de oportunidade para o País é percebida por todos — e não ficará aberta indefinidamente. Os resultados das eleições gerais de 2026 podem provocar mudanças bruscas de direção e, caso as oportunidades não sejam aproveitadas agora, uma nova década perdida poderá começar no início de 2027.
O presidente do Clube de Engenharia, anfitrião do evento, Francis Bogossian, colocou o problema em termos práticos: “A despeito do Novo PAC, temos de instar deputados e senadores a permitir o início efetivo das obras. Estamos absolutamente paralisados. No Rio de Janeiro e em outros estados, não temos tido obras; as empresas de engenharia estão sem serviços contratados, desempregando engenheiros, técnicos e a mão de obra dita ‘não especializada’. Precisamos retomar o desenvolvimento, ajudando o presidente da República a liberar o início das obras. Não adianta formar grupos: precisamos ter unidade, sem cor político-partidária, apenas com o interesse de retomar os projetos da nação brasileira. Precisamos de Clube, Crea, Confea, Mútua e Senge RJ trabalhando juntos.”
Os números e decisões recentes ilustram as preocupações que fizeram nascer o fórum permanente das entidades das engenharias. Três dias antes da reunião, em 30 de maio, o governo editou decreto bloqueando R$ 31,3 bilhões do Orçamento; o Novo PAC perdeu R$ 7,6 bilhões, sendo R$ 5 bilhões contingenciados e R$ 2,6 bilhões bloqueados. Segundo o Fiscobras 2024, do TCU, apenas 0,27 % das ações do PAC estavam concluídas em abril de 2024. Em dezembro, o Tribunal constatou que metade das obras contratadas com recursos federais estava paralisada, principalmente nas áreas de saúde e educação.
Articulação pelo Brasil
Nesse tom, representantes de outras entidades de diferentes estados destacaram a importância da articulação pelo desenvolvimento e lamentaram a demora para um encontro plural com esse objetivo. “Estar em um evento com tantas instituições faz pensar nos grandes problemas do País causados pela ausência dessa articulação”, afirmou Roberto Freire, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge).
O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), Clóvis Nascimento, apontou o papel estratégico do fórum: “Nada é concedido. Os espaços são conquistados. Esta 1ª reunião do Fórum da Engenharia permitirá ganhar musculatura para, em breve, construirmos nosso espaço e levarmos ao governo nossas propostas. E ele terá de ouvir, porque a engenharia é a mola propulsora deste País.”
A abertura do evento contpu, ainda, com discursos de Allen Habert, coordenador do Fórum da Engenharia Nacional; Cládice Diniz, presidente do conselho diretor da ABEA; Miguel Fernández y Fernández, presidente do Crea-RJ, acompanhado do vice-presidente Alberto Balassiano; Antonio Carlos Pereira, da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE); Paulo Roberto Massoca, presidente da Engenharia pela Democracia (EngD); Russell Rudolf Ludwig, presidente nacional do Sinaenco; Sydnei Menezes, presidente do CAU-RJ; Nely Palermo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG); Poliana Krüger, presidenta da FAMEAG; Ricardo Latgé Azevedo, da EBRAGEO; e Joel Krüger, presidente da Mútua.
Uma crise em muitas frentes
O colapso climático, o deslocamento dos polos geopolíticos, as profundas alterações no mundo do trabalho, a ascensão de uma nova extrema-direita fascista e gerações inteiras sem esperanças de um futuro possível somam-se aos ataques a profissões essenciais, deixando o Brasil despreparado para enfrentar os desafios de hoje e do futuro próximo.
A educação é fundamental para superar a crise e recolocar o país na trilha do desenvolvimento. Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destacou que “não se trata apenas de obras, mas, sobretudo, de empresas brasileiras detentoras de tecnologias estratégicas, capazes de aplicar conhecimento soberano às necessidades nacionais e de integrar indústria e academia”.
A academia esteve representada na mesa de abertura por Elias Ramos de Souza, diretor de Inovação e presidente interino da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos; Dácio Roberto Matheus, reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC); José Alberto Cocota, diretor da Escola de Minas/UFOP; Cláudia Morgado, diretora da Escola Politécnica/UFRJ; e Diego Melo, presidente do Grêmio Politécnico da USP.
O Poder Público marcou presença com as participações de Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Rogério Correia (PT-MG). Enviaram mensagens em vídeo o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Márcio Costa Macêdo, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Também contribuíram com reflexões José Dirceu de Oliveira e Silva, ex-ministro-chefe da Casa Civil, e Jefferson de Oliveira Gomes, diretor de Desenvolvimento Industrial, Tecnologia e Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O evento foi organizado pelo movimento Engenharia pela Democracia, que reúne engenheiras, engenheiros, militantes, acadêmicos, estudantes, técnicos e profissionais de áreas afins de todo o Brasil em defesa da soberania nacional e de um mundo multipolar, solidário e inclusivo, sem distinção de gênero, raça, credo ou origem social.