Fonte: Fisenge e Senge RJ
Os decretos que regulamentam o Marco Legal do Saneamento foram o tema da reunião realizada nesta quarta-feira (5) com representantes da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) e do Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU), com a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As entidades defenderam o fortalecimento das parcerias do banco com as empresas estatais e criação de uma linha específica para apoiar a gestão pública.
Uma das mudanças promovidas pelos dois decretos (11.466/23 e 11.467/23) assinados pelo presidente Lula, o fim da outorga onerosa foi saudada pelo vice-presidente do Senge RJ e secretário-geral da Fisenge, Clovis Nascimento. O modelo de concessão do serviço para a empresa que pagar mais por ela foi substituído pela proposta de menor tarifa como critério de seleção, junto do cronograma que apresente o menor tempo para universalização do serviço. “Vemos com satisfação a derrubada da outorga onerosa. No entanto, ainda precisamos avançar, principalmente na garantia da gestão pública das empresas de saneamento”, disse.
O dirigente do Senge RJ citou os exemplos da privatização em Manaus (AM) e no Tocantins, onde a empresa privada devolveu ao Estado os municípios deficitários. Ele é cético em relação às expectativas de aumento dos investimentos privados, e espera que o governo invista no fortalecimento da gestão pública, não incentivando privatizações no setor, que considera fundamental para a cidadania e os direitos humanos. “Queremos um espaço para modernização das empresas públicas, as parcerias público-públicas”, afirmou. “Foi uma boa notícia saber que o BNDES não cedeu crédito para privatizar a Sabesp, e o governo de São Paulo teve que ir ao Banco Mundial.”
Prioridades do BNDES
O diretor de planejamento e estruturação de projetos do BNDES, Nelson Barbosa, afirmou que privatização e novos contratos de venda não são prioridade da gestão atual. Admitiu, contudo, que os contratos de privatização já assumidos pelo banco serão mantidos. “O BNDES assinou contratos e, pela legislação, não pode descumprir. Para dar descontinuidade é preciso uma decisão política”, pontuou. Nelson ainda enfatizou que o foco de investimentos para esse ano serão as rodovias e o saneamento, e que o plano de investimento deve ser divulgado até o final de abril.
O professor do IPPUR e integrante da coordenação do FNRU, Orlando Santos Junior, pediu a elaboração de estudos para parcerias público/público e a criação de uma linha específica no BNDES de fortalecimento da gestão pública. “Há uma carência desses documentos do BNDES que foquem no setor público, inclusive para dirimir bloqueios fiscais, institucionais e financeiros que acabam levando e até constrangendo a gestão à privatização”, argumentou, apontando a existência do estudo do BNDES intitulado “Estruturação de Projetos de Parceria Público-Privada e Concessão no Brasil” e o setor de “desestatização”, indicado no site do banco. O professor reforçou a relevância de estudos de fortalecimento de uma modelagem pública que forneça instrumentos, perspectivas e uma visão pública aos gestores.
A superintendente da Área de Estruturação de Projetos do banco, Luciene Machado, alegou que estudos sobre a gestão pública não seriam possíveis devido às especificidades de cada empresa. Mas o presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos, contestou a executiva, destacando a capacidade de formulação do BNDES, inclusive na gestão. “O banco é um agente público que poderia formular um marco legal da gestão pública com parâmetros mínimos de conduta. Se o BNDES formulou as diretrizes de modelagem da Cedae, por que não formular para parcerias público-público?”, indagou.
O Secretário-executivo do ONDAS e assessor de saneamento da Federação Nacional de Urbanitários (FNU), Edson Aparecido Silva, sublinhou a urgência da universalização do saneamento. “É fundamental que tenhamos uma política pública rumo à universalização do saneamento, além da garantia de um canal aberto de diálogo entre sociedade e governo e o fortalecimento dos operadores públicos”, disse.
O engenheiro e coordenador de comunicação do ONDAS, Marcos Helano Montenegro, destacou a tarifa social, especialmente importante em ocupações informais. “É preciso garantir o acesso à tarifa para as pessoas que mais precisam – e elas estão em territórios mais pobres e em ocupações informais –, além da criação de uma linha específica para financiar o saneamento nestas áreas”’, finalizou Montenegro, indicando o e-book “Água como direito: tarifa social como estratégia para a acessibilidade econômica”, produzido pelo ONDAS.
Nesse sentido, Clovis acha difícil que se confirmem grandes investimentos como resultado do fim do limite de 25% para as parcerias público-privadas, outra medida trazida pelos novos decretos assinados nesta quarta. “O setor privado não investe, sabemos disso”, observou.
Os decretos, no entanto, restabelecem a possibilidade de o Estado prestar diretamente o serviço, do qual é titular, em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, confirmando entendimento já firmado por uma decisão da Advocacia-Geral da União.
Ao saudar o fim da outorga onerosa, Clovis explicou que o modelo não indicava um destino definido para os recursos arrecadados. Por isso, não havia garantia de que reverteriam em benefício das populações.“A empresa que ganha o leilão, em geral usa dinheiro do BNDES, com prazo de carência, para começar a pagar já com a receita tarifária. A Cedae, por exemplo, foi vendida por R$ 23 bilhões, que o governo do estado do Rio distribuiu entre as prefeituras para conseguir apoios políticos. Não há compromisso de aplicar esses recursos na expansão da infraestrutura de saneamento. Já a escolha da empresa que praticar a menor tarifa assegura um serviço mais acessível para as pessoas. Mas, por princípio, somos contra a privatização.”
Decretos atualizam Marco Legal do Saneamento
Os decretos 11.466 e 11.467 regulamentam a Lei 11.445/2007, alterada pela Lei 14.026/2020 (Marco Legal do Saneamento). O governo espera atrair investimentos públicos e privados, num total de R$ 120 bilhões, para universalizar o acesso ao saneamento para toda a população brasileira até 2033. A norma estabelece que os serviços devem garantir abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. Também lista a drenagem e manejo das águas das chuvas de forma adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente.
Entre as renovações do Marco Legal do Saneamento está o fim do limite de 25% para a realização de Parcerias Público-Privadas (PPPs) pelos estados. Um dos objetivos é que os prestadores responsáveis pelo serviço de saneamento em 351 municípios poderão comprovar sua capacidade econômico-financeira e, assim, evitar a interrupção dos investimentos. O decreto permite ainda que a prestação dos serviços em outros 762 municípios, que haviam ficados excluídos pela metodologia anterior, também possa ser inserida no novo processo de comprovação de capacidade. Segundo o governo, a medida vai beneficiar 29,8 milhões de habitantes.
O prazo para a chamada regionalização da prestação dos serviços de saneamento foi estendido até 31 de dezembro de 2025. A lei exige que, para ter acesso a verbas federais, os serviços devem ser prestados de forma regionalizada, atendendo a mais de um município. O prazo anterior se encerraria em 31 de março deste ano. Se mantido, outros 2.098 municípios do país, que ainda não estão regionalizados, também ficariam impedidos de acessar recursos federais para ações de saneamento. Somada, a população impactada seria de 65,8 milhões de pessoas.
A íntegra dos decretos 11.466/2023 e 11.467/2023, que regulamentam a Lei 11.445/2007, alterada pela Lei 14.026/2020 (Marco Legal do Saneamento):
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.466-de-5-de-abril-de-2023-475499576
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.467-de-5-de-abril-de-2023-475399864