Clemaarj 2020 – Defender as águas para combater a fome

O documento da Conferência Temática sobre Água e Saneamento propõe várias medidas para uma política de proteção das coleções hídricas do país e do Rio de Janeiro, articulada com a abordagem do problema da insegurança alimentar e das mudanças climáticas.

“Superar a fome e a crise econômica significa superar a atual relação entre sociedade e natureza, e a forma degradante como ela se dá nas coleções hídricas, incluindo os mananciais que são utilizados para consumo humano”, afirmou o engenheiro sanitarista da Fiocruz Alexandre Pessoa Dias, durante a Conferência Livre Estadual de Meio Ambiente e Agricultura do Estado do Rio de Janeiro (Clemaarj 2022), realizada em junho por mais de cem entidades. Segundo o pesquisador, que integra o grupo temático Saúde e Meio Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o relatório mais recente do Inquérito sobre Insegurança Alimentar (II Vigisan), lançado em junho, “associa categoricamente a insegurança hídrica com a insegurança alimentar”.

Alexandre observou que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também apontou a insegurança hídrica como a maior forma de expressão das mudanças climáticas na América do Sul e Central, relacionada a eventos extremos como chuvas torrenciais, grandes inundações com deslizamentos e, consequentemente, problemas de saúde, mortes, prolongamento de estiagem, em todo o país. Um processo de degradação ambiental e das coleções hídricas que se expande na escala nacional.

“Como estão as nossas águas?”, perguntou o pesquisador da Fiocruz à plateia da Clemaarj 2022, no Teatro Oscar Niemeyer, em Niterói. “Maltratadas, privatizadas, poluídas, contaminadas – por mercúrio, produtos químicos, entre outros –, eutrofizadas, turbulentas pelas fortes chuvas, desperdiçadas, assoreadas, em alguns casos soterradas, como em Brumadinho e Mariana, represadas, exportadas na forma de commodities agropecuárias, sepultadas em galerias fechadas nas cidades e eliminadas pelo desmatamento, pela degradação dos solos e destruição das nossas fontes de vida.”

Se as águas estão em condição ultra precária, “o Estado brasileiro tem uma dívida histórica do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e de resíduos sólidos), em especial para as populações vulnerabilizadas das cidades, das favelas, bairros populares, periferias urbanas, bem como para as populações do campo, da floresta e das águas”, critica o documento produzido na Conferência Temática sobre Água e Saneamento da conferência. O texto defende, por isso, a articulação do debate do saneamento – não somente básico, mas ambiental – com as conexões hídricas e a agricultura familiar, numa perspectiva agroecológica.

Para se ter uma ideia da gravidade da questão sanitária, e do racismo ambiental que a atravessa, no Rio de Janeiro, de acordo com dados do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UERJ, citados no documento da Clemaarj, o Leblon conta com 97 % de coleta e tratamento de esgoto sanitário, enquanto São João de Meriti, na Baixada Fluminense, não tem nada – 0%.

“Se não houver uma articulação do saneamento básico com a gestão das coleções hídricas e com a agroecologia/agroflorestas, na perspectiva do saneamento ambiental, a crise se intensificará tanto na oferta como na demanda”, afirma o texto. “É necessário assumir a centralidade do saneamento ambiental, considerando o aumento da insegurança hídrica, qualitativa e quantitativa, e dos expressivos conflitos socioambientais derivados da disputa da terra-água e dos processos de poluição. É necessário o fortalecimento do direito à água e ao saneamento a serem expressos por meio das políticas públicas e na própria Constituição Federal Brasileira como já ocorre em outros países da América Latina.”

O documento informa, ainda, que, nos últimos 60 anos, a população mundial duplicou, enquanto o consumo de água multiplicou-se por sete. Na divisão das águas que correm no planeta, a América do Sul fica com quase a metade do total, enquanto continentes como a Europa e países como a Austrália são os que menos possuem mananciais de água. O Canadá assinou um contrato de 30 anos com a China, para a venda de 60 bilhões de litros de água por ano, originária do Alasca. O Brasil possui cerca de 12% das reservas de água doce superficial do mundo e alguns dos maiores destes reservatórios subterrâneos de água líquida.

O documento da Clemaarj 20202 propõe várias ações propositivas para proteger o meio ambiente através da acessibilidade à água e ao saneamento, para reverter a insegurança hídrica e alimentar agravada pela Covid-19 e pelas ações neoliberais dos governos atuais.

Por exemplo, quer, entre outras medidas, o fortalecimento e a ampliação dos instrumentos de controle social, como os Comitês de Bacia e a criação de Agências de Bacia, que têm a prerrogativa de atuar sobre todas as ações reguladoras do sistema hídrico, limitando os poderes das corporações e fazendo os governos cumprirem as regulamentações de proteção ambiental e social. Ou, ainda, a criminalização efetiva da poluição dos rios, o cumprimento das metas e dos programas estabelecidos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), do Programa Brasil Saneamento Rural (PNSR), dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), com ampla comunicação e participação social, que deve ter o caráter compulsório para as prestadoras de saneamento públicas ou privadas e revisão a cada cinco anos com avaliação do cumprimento dos planos precedentes. O texto também considera fundamental reverter a tentativa de mercantilização da água e do saneamento, que deve ter como objetivo a promoção a saúde e considera estratégico o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS); e o estabelecimento de uma política pública de saneamento básico para o estado do Rio de Janeiro, com rubrica orçamentária específica.

“Vivemos tempos difíceis”, ressaltou o engenheiro sanitarista da Fiocruz. “É preciso dizer que a água educa, e, numa perspectiva da educação ambiental, precisamos avançar com a pedagogia das águas, na defesa da vida, de territórios sustentáveis e saudáveis.”

> Íntegra do documento temático sobre Água e Saneamento aprovado na Clemaarj 2022

> Íntegra do documento temático sobre Mudanças Climáticas aprovado na Clemaarj 2022

Clique abaixo para consultar os documentos com propostas para os demais temas da Clemaarj 2022

Pré-Conferências Temáticas: Pré CTs

Site oficial da Clemaarj 2022
https://clemaarj.org/

SAIBA MAIS
https://www.sengerj.org.br/posts/carta-aberta-da-clemaarj-denuncia-ameaca-de-colapso-ambiental-no-pais

https://www.sengerj.org.br/posts/no-sabado-25-conferencia-ambiental-debate-estrategias-contra-retrocesso-na-area

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