Construção do Porto de Jaconé, em Maricá, é pauta de debates no Crea-RJ, nesta quarta (14)

Encontro reunirá participantes a favor e contra o projeto: especialistas, professores e representantes da empresa construtora, de órgãos públicos, da Alerj e de prefeituras da região.

Fonte: Crea-RJ/assessoria de imprensa

“Porto de Jaconé: Desenvolvimento, Impactos Sociais e Ambientais” é o tema do evento que o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia vai realizar nesta quarta-feira, dia 14 de junho, em sua sede (R. Buenos Aires, 40 – Centro/RJ) para debater o projeto de construção do Porto de Jaconé, em Maricá. O encontro é organizado pela Comissão de Meio Ambiente do Crea-RJ, e acontece das 9h às 13h, com especialistas do setor, professores e representantes da empresa construtora, de órgãos públicos, da ALERJ e de prefeituras da região.

O projeto prevê a construção do Porto na Praia de Jaconé, denominado oficialmente Terminais de Ponta Negra (TPN). É o maior projeto privado da região e a expectativa é que se transforme na principal âncora para escoamento e tancagem do óleo do pré-sal, produzido na região. “Nosso Conselho, como entidade que representa os profissionais da Engenharia, da Geologia e da Geografia, está acompanhando toda a discussão em torno da construção deste porto. Precisamos estar atentos aos aspectos positivos do empreendimento, entre eles a geração de emprego e renda, com a criação de postos de trabalho; mas sem esquecer dos impactos sociais e ambientais que ele vai provocar. Em relação à área social, haverá reflexos durante a obra e depois – com as atividades no porto -, que envolvem, por exemplo, a questão da segurança, mobilidade urbana, entre outros. Na área ambiental, riscos de acidentes com navios e a poluição do mar poderão prejudicar a pesca, o turismo; sem falar que na área escolhida para abrigar o porto existem rochas sedimentares importantes, chamadas de beachrocks, que serão afetadas”, destaca o geógrafo Vagner Oliveira, coordenador da Comissão de Meio Ambiente e da Câmara de Agrimensura, Cartografia e Geografia do Crea-RJ [confira abaixo o artigo sobre o tema, assinado pelo geógrafo].

O evento será aberto pelo presidente do Crea-RJ, engenheiro eletricista e de segurança do trabalho Luiz Antonio Cosenza; pelo engenheiro civil Luiz Carneiro e pelo geólogo Gabriel Fernandes; além do geógrafo Vagner Oliveira. Logo depois, haverá a participação de representantes da DTA Engenharia – empresa construtora do porto -; das prefeituras de Saquarema e de Maricá; do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro; do Instituto Estadual do Ambiente (INEA/RJ); e também do deputado Jorge Fellippe Neto, que é da Comissão de Defesa do Meio Ambiente, da ALERJ. Na sequência, falarão a professora Desireé Guichard, do Departamento de Geografia da UERJ; o professor e geólogo Renato Ramos, do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ; e Luiz Lopes, do Movimento SOS Porto de Jaconé.

“Neste momento crucial para o futuro de Maricá e de todo o litoral norte fluminense, o Crea-RJ marca presença neste debate tão importante. Precisamos abordar todos os aspectos que envolvem a construção do porto, ouvindo opiniões e questionamentos, para que a sociedade, especialmente a população da região, possa tomar conhecimento de tudo que está relacionado a esse empreendimento”, conclui o geógrafo Oliveira.
As inscrições para o evento são gratuitas (não obrigatórias) e podem ser feitas pelo site do Crea-RJ. Serão entregues certificados de participação aos estudantes. Quem não puder comparecer pode acompanhar a transmissão online, ao vivo, pela WebTV – o canal do Youtube do Crea-RJ. Para mais informações, acesse: [email protected].

O projeto Terminais de Ponta Negra (TPN) surgiu em 2011, quando a DTA Engenharia comprou a área na Praia de Jaconé. Em fevereiro deste ano, a empresa conseguiu as licenças para o início das obras. E na edição do Diário Oficial da União, do último dia 10 de maio, foi publicada resolução de construção de uma estrada de ferro, de carga, ligando o Porto de Jaconé à malha ferroviária nacional, através da Ferrovia Centro Atlântico (FCA). A previsão de investimento é da ordem de US$ 2,45 bilhões, segundo o presidente da DTA Engenharia, João Acácio.

Saiba mais:
No artigo abaixo, a jornalista Dulce Tupy e o geógrafo Vagner da Silva Oliveira fazem um apanhado dos aspectos polêmicos e as questões em jogo no pojeto do Porto de Jaconé:

A construção do Porto de Jaconé em Maricá, um debate necessário na engenharia

Dulce Tupy* e Vagner da Silva Oliveira**
O Porto de Jaconé, nome mais conhecido dos Terminais Ponta Negra, previsto para ser construído em Jaconé, em Maricá, desde 2009, no Rio de Janeiro, acaba de receber do INEA uma licença para o início das obras de instalação. A área marítima, situada ao lado do Costão de Ponta Negra, abrange o antigo Campo de Golf da família Marinho (Rede Globo) que manteve durante anos aquela praia praticamente deserta, frequentada apenas por seus convidados, pescadores, banhistas, entre eles alguns surfistas, encantados com as ondas próprias para as manobras radicais.
A primeira notícia de que a área estava no radar dos grandes investimentos nacionais e internacionais, foi veiculada justamente em 2009, quando foi divulgada a visita de membros da comissão de implantação e acompanhamento do COMPERJ (Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro), os representantes da Assembleia Legislativas – ALERJ, do subsecretário estadual da Região Metropolitana do ex-governo Sérgio Cabral, Alexandre Felipe, e do secretário municipal de desenvolvimento econômico, indústria, comércio e petróleo de Maricá, Aleksander Santos. O sobrevoo de helicoptero que fizeram pela região onde seria construído o Pólo Naval de Maricá, selou o acordo comemorado em seguida no gabinete do ex- prefeito de Maricá. Sim, eles trabalhariam unidos, nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
Poucos meses depois, em 2010, veio ao Brasil o armador grego Victor Restis, dono de uma frota de 140 navios, disposto a investir milhões de dólares num estaleiro em Maricá, para construção e manutenção de navios petroleiros. Mais uma vez um sobrevoo pela região encheu os olhos dos executivos, entre eles o Presidente da Wisekey, Marcos Troyjo, e o próprio Victor Restis, recebidos pelo então ex-prefeito Quaquá, a comitiva do governo estadual, o assessor do ex-governador Sérgio Cabral, Paulo Fernando Magalhães Pinto e Carlos Gonçalves, assessor da secretaria de Estado de Desenvolvimento, Energia, Indústria e Serviços.
Na ocasião, Restis anunciou um investimento inicial de R$ 750 milhões de reais, contando com a contrapartida do estado para ser realizado. Segundo o empresário, o próximo passo agora, seria analisar as características geológicas e correntes marinhas. As perspectivas eram boas. O grupo grego previu na época a geração de 20 mil empregos na área da indústria naval com investimentos de até US$ 1 bi no município de Maricá. E ainda visualizou a oportunidade de explorar o potencial turístico da Região das Baixadas Litorâneas e dos lagos, dizendo-se encantado com a área.
LANÇAMENTO NOS USA
Em 2011, durante um evento promovido pelo mega empresário brasileiro Mário Garnero, no sofisticado Harcard Club, em Nova York, foram anunciados mais de uma dezena de parcerias de seu banco, o Brasilinvest, com 14 empreendimentos mundiais, entre eles o estaleiro de Maricá. Anunciado como sócio o armador Victor Restis, previa um investimento em torno de 2 bilhões de dólares, para a produção de navios-tanque destinados à exportação de petróleo brasileiro, com projeções de lançamento da primeira embarcação em três anos.
No ano seguinte, foi aberto um pedido de licença do empreendimento Terminais Ponta Negra ao INEA (Instituto Estadual do Ambiente) pela DTA Engenharia e, em 2013, foi aprovada a lei 2.483, de Criação de Área de Especial Interesse Urbanístico e Econômico, voltada para atividades de Logística, Portuária e Industrial, em Maricá. Porém, o papel da Câmara Municipal de Maricá nesta aprovação da lei, chamou a atenção dos moradores, em especial da chamada sociedade civil e movimentos ambientalistas que combateram a forma como foi feita a sessão do Legislativo, de noite, quando as seções eram habitualmente de manhã, e sem a presença de público; aparentemente às escondidas! Da noite pro dia, a área que era de preservação ambiental passou a ser industrial. Era algo que os moradores acostumados com aquela praia, chamada por eles de “Praia do Sossego”, jamais poderiam aceitar, iniciando-se um conflito que dura até hoje e é motivo de debate e reflexão.
De um lado, os interesses desenvolvimentistas da indústria naval petrolífera. De outro, os moradores, pescadores, surfistas, ambientalistas e principalmente cientistas que descobriram naquela área grande interesse geológico. A presença, por exemplo dos famosos “beachrocks”, que são rochas de praia que demarcam variações do nível do mar, representam em muitos casos praias pretéritas, de grande interesse para os pesquisadores. Segundo o geógrafo e Professor Dr. Vitor Nascimento, da UFF (Universidade Federal Fluminense), essas rochas ganharam muita importância por terem sido descritas pelo naturalista inglês Charles Darwin, em 9 de abril de 1832, quando da sua passagem pelo local.
IDAS E VINDAS
Além da importância científica, geológica, geomorfológica e paisagística, entre outras, os ‘beachrocks’ possuem uma importância educativa relevante, para pesquisadores estudantes e professores e, além da relevância científica, favorecem a existência de uma biodiversidade expressa, por exemplo, pela ocorrência de moluscos como mexilhões, além de atrair peixes. Essas rochas também desempenham um importante papel de proteção da costa, diante do embate das ondas, principalmente as de tempestade”, explica o professor e geógrafo Vitor Nascimento. “Datadas em cerca de 6 mil anos, em datação realizada pelo Centro de Estudos Isotópicos Aplicados (CAIS) da Universidade de Geórgia, nos Estados Unidos, são rochas que apresentam tipologias e estruturas sedimentares associadas que as tornam singulares e por isso valiosas”, descreve o professor.
Por outro lado, os acontecimentos que os “beachrocks” revelam que são geológicos e não paleontológicos, explica o Professor Vitor Nascimento, e não têm relação com o choque entre as placas tectônicas, como se encontram nas rochas que formam o Costão de Ponta Negra, no final da praia de Jaconé. Porém, visando a proteção de todo esse conjunto rochoso, a professora e geóloga Dra. Kátia Mansur, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e o também o professor e geólogo Dr. Renato Rodrigues Ramos do Museu Nacional e do departamento de Geologia e Paleontologia da UFRJ, junto com suas equipes, criaram o projeto do Geoparque Costões e Lagunas, que inclui 17 municípios da Região Costeira do Leste e Norte Fluminense, desde Maricá até o limite com o estado do Espírito Santo, justamente na área litorânea do Pré-Sal, que abrange tanto a Bacia de Campos como a Bacia de Santos como é descrito no artigo intitulado “Beachrock de Jaconé – uma pedra no caminho de Darwin”, publicado em 20/11/2012 no endereço eletrônico: http://sigep.cprm.gov.br/sitio060/sitio060.pdf.
A partir daí, um grande movimento em apoio à preservação da área e sua ocupação em atividades turísticas, recreativas, educativas, ambientais, esportivas e científicas se iniciaram, tendo como ponta de lança o Movimento SOS Jaconé Porto Não! O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) foi acionado por membros da sociedade civil, num processo onde eram ouvidos regularmente os cientistas. Assim, realizaram-se vários atos de protesto contra o Porto de Jaconé, tanto em Maricá como em Saquarema, pois a praia de Jaconé ocupa os dois municípios, onde ocorrem os “beachrocks”. Correndo para ganhar apoiadores do futuro Porto de Jaconé, a Empresa DTA Engenharia iniciou uma série de conversas com a população local, em Maricá, Saquarema e no Rio.
DESENVOLVIMENTO X PRESERVAÇÃO
Em 2015, um Parecer Técnico do GATE (Grupo de Apoio Técnico Especializado) do MP-RJ questionou aspectos do EIA-RIMA (Estudos e Relatório de Impacto Ambiental) apresentado pela DTA Engenharia, para obtenção da Licença Prévia (LP) dos Terminais Ponta Negra (TPN). Foram feitas audiências públicas em Maricá e Saquarema sobre o empreendimento. Pouco tempo depois, é aberto um processo de Tombamento Estadual do Geossítio, considerado legal pelo INEA e pelo Conselho Estadual de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Mas, curiosamente, a Casa Civil do Governo do Estado determina o arquivamento do processo…
É emitida outra Licença Prévia favorecendo o porto. Mas, por outro lado, o DRM-RJ (Departamento de Recursos Minerais) emite parecer que considera a implantação dos TPN uma perda e descaracterização do patrimônio geológico da área. No ano seguinte, o DRM volta atrás, com um parecer oposto ao inicial e, paradoxalmente, exonera do cargo os três geólogos do órgão que assinaram o parecer anterior. Nesse jogo de vai e vem, uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra as três esferas – União, Estado do Rio de Janeiro e município de Maricá – pede a proteção integral do patrimônio representado pelos “beachrocks” de Jaconé. A 3ª Vara do MPF de Niterói determina que “se abstenham de praticar quaisquer atos ou omissão tendentes a suprimir, destruir, mutilar ou descaracterizar, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, o patrimônio cultural e arqueológico referente aos Beachrocks de Jaconé”.
Em 2017, é protocolado na ALERJ um Projeto de Lei que determina o tombamento dos beachrocks de Jaconé como patrimônio histórico e cultural e o Tribunal Regional Federal 2 mantém a decisão de não autorizar o licenciamento do TPN. Por sua vez, o MP-RJ lança o documentário “Beachrocks em Chamas” e, em 2022, outro filme, “Pedras de Darwin. Os Beachrocks de Jaconé”, do cineasta Carlos Pronzato, revela a luta comunitária contra o Porto de Jaconé. Declarada a suspensão da Licença do INEA, uma Audiência Pública na ALERJ apresenta um novo projeto do TPM, em 2018.
Em 2023, após nova decisão judicial, é anunciada mais uma Licença do INEA, favorável ao Porto de Jaconé. É possível que este não seja o último capítulo da novela, cujo enredo é uma luta ferrenha entre dois lados. O assunto é polêmico; os próximos passos serão decisivos. Por isso, através da sua Comissão de Meio Ambiente (CMA), o CREA-RJ está promovendo essa reflexão e debate, para que a geração futura, tenha uma visão do que realmente está acontecendo, entre os que têm um olhar desenvolvimentista e os preservacionistas, sobre esse mega empreendimento que vai afetar toda a região em que o mesmo está sendo proposto.
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*Dulce Tupy – Jornalista especializada em Meio Ambiente, participou da Conferência Rio-92. Mudando-se para Saquarema, em 1995, criou a Tupy Comunicações e o Jornal O Saquá (osaqua.com.br), que edita há 23 anos (MTB 18940/87) . Atuando na área ambiental, fez parte do Movimento Cidadania pelas Águas, do CREA-RJ. É membro do Comitê da Bacia Hidrográfica Lagos São João e da GWA (Gender and Water Alliance). E-mail: [email protected].
**Vagner Fia – Geógrafo, professor, consultor, discente pesquisador do PPGEO/UERJ-FFP, é coordenador da Comissão de Meio Ambiente (CMA) e da Câmara Especializada de Engenharia de Agrimensura, Cartografia e Geografia (CEAgri) do CREA-RJ. Foi também membro conselheiro do Fundo Estadual de Controle Ambiental (FECAM) e fez parte da Comissão de implantação do Parque Estadual da Serra da Tiririca. E-mail: [email protected].

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