Protestos marcaram o início da semana para os trabalhadores e trabalhadoras de Furnas Centrais Elétricas. Em ato na última segunda-feira, 23/10, os funcionários da empresa do Grupo Eletrobras, privatizado no último governo, denunciaram a política de apagamento histórico que pode cancelar o CNPJ da empresa e jogar no esquecimento as conquistas nacionais que ela representa. Um projeto em curso – segundo a empresa, com o objetivo de reformulação societária e de governança – estuda a incorporação completa dos ativos de Furnas pela Eletrobras.
O simbolismo por trás da dissolução de uma das maiores subsidiárias do grupo é forte e dá o tom do que esperar da direção da Eletrobras. É, também, um indicativo claro do norte estratégico daqueles que dirigem da empresa hoje: cortar gastos, superexplorar funcionários, desmobilizar trabalhadores e, resultado direto desses fatores conjugados, distribuir dividendos para acionistas. A geração e distribuição de energia, nesse cenário, é detalhe.
“Não é por acaso que Furnas, que tem uma capacidade organizativa muito grande entre seus funcionários, foi escolhida para iniciar esse projeto de integração operacional. É uma das empresas mais importantes do grupo, com uma qualidade técnica historicamente reconhecida”, destaca Felipe Ferreira Araújo, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro – Senge RJ.
Segundo boletim da Interfurnas, na última sexta-feira (20), andares inteiros da sede da empresa, no Rio de Janeiro, foram esvaziados para a ocupação da diretoria e conselho da Eletrobras. “Os sanguessugas já estão escolhendo vagas de garagem. Hoje eles querem invadir Furnas e amanhã os planos são para tomar posse da gestão dos R$ 20 bilhões de patrimônio da Fundação Real Grandeza. Querem também continuar com o plano retrógrado de demissões em massa”, denuncia o boletim unificado.
Reprivatização e superexploração
Os 1,3% de participação vendidos no governo passado à 3G Capital – fundo criado pelos três bilionários da Americanas, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles – foi a porta de entrada para uma profunda mudança na administração da empresa, que hoje conta com pessoas ligadas ao grupo no conselho e na diretoria.
Segundo Felipe, a gestão da Eletrobras privatizada, marcada pelo autoritarismo, promove uma espécie de “reprivatização” da empresa com o projeto de incorporação de ativos. “Os trabalhadores estão sob ataque há seis anos, com pesados danos à saúde mental de muitos, sob estresse constante, em guerra mesmo. Somos extra penalizados por essa proposta que nos soa como uma ‘reprivatização’”, destaca Felipe.
O dirigente sindical aponta que, embora o processo seja apresentado com uma roupagem tributária, a questão, na verdade, é outra: “Não é sobre eficiência, sobreposição de funções, nada disso. É sobre enxugar cada vez mais o quadro e superexplorar aqueles que ficarem. A motivação deles é diminuir o custeio de pessoal e transformar isso em distribuição de lucros e dividendos para especulação de curto prazo”, aponta Felipe. Ele ressalta que, considerando a lógica de mercado, a direção deveria estar buscando sanear seu quadro de investidores, eliminando os investidores de curto prazo, os especuladores, deixando apenas os investidores de longo prazo. “Estão fazendo exatamente o contrário com esse tipo de ação. Estão buscando ‘curtoprazistas’ para uma empresa de infraestrutura, que deveria estar buscando investidores de, no mínimo, 10 anos de investimento”, esclarece.
Lógica colonizadora
A simbologia impregnada na escolha do início da integração das operações das subsidiárias às da controladora do grupo – que reúne, também, Chesf, Eletronorte, CGT Eletrosul e Eletropar – por Furnas é grande. Com presença em 15 estados e no Distrito Federal, a empresa, considerada a “jóia da coroa” do sistema elétrico brasileiro, gera energia a partir de fontes hidrelétricas, gás natural, eólica e solar, com 22 hidrelétricas, duas termelétricas, um complexo com cinco parques eólicos e 35,201 km de linhas de transmissão e 72 subestações. Cerca de 40% da energia do país passa pela infraestrutura de Furnas.
“A importância histórica de Furnas é o que se pretende apagar. E ela não é pequena. Se hoje o sudeste brasileiro é o centro econômico do país, devemos isso a Furnas. Ela foi criada para promover energia em quantidade e qualidade suficientes para que o sudeste pudesse se desenvolver naquele momento. A ideia é colocar essa história no museu da Eletricidade e fim de papo”, explica Felipe.
“Eles trabalham dentro de uma lógica colonizadora, não como gestores de uma empresa do sistema elétrico. Querem impor uma nova cultura, retirar quem construiu a empresa até aqui, substituir por trabalhadores alienados e mal organizados. Apagar a história e desfigurar a cultura da empresa são parte desse processo de colonização”, finaliza.
Reestatização no horizonte
Lutando uma batalha de cada vez, a resistência dos funcionários do Grupo Eletrobras tem como horizonte tático a reestatização da empresa. O caminho traçado passa, antes, pelo reestabelecimento do poder de voto da União, que apesar de ter 43% das ações ordinárias da empresa, vota com apenas 10%. “Temos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremos Tribunal Federal e, na agenda de luta, está a pressão sobre o executivo. Recuperado o poder de voto da União, avançaremos no trabalho pelo restabelecimento total do poder do Estado na empresa”, conta Felipe Araújo.
Enquanto a questão dos votos aguarda decisão do judiciário, a articulação com o executivo e legislativo começam no dia 09 de novembro, em audiência pública da comissão de Direitos Humanos do Senado. Na ocasião, será tratada a importância da reestatização da Eletrobras para viabilizar a reindustrialização do país. “É um debate necessário. Fala-se muito em neoindustrialização. É o nome bonito para o que realmente precisamos: uma reindustrialização. Não é criar algo novo, mas buscar recuperar a indústria nacional que foi absolutamente destruída na barbárie que vivemos nos últimos anos. Quando conseguirmos recuperar o que tínhamos, aí sim, podemos falar em neoindustrialização”, aponta Felipe.
Patrimônio do trabalhador
Em um dos muitos níveis do embate entre a gestão colonizadora e os trabalhadores do grupo Eletrobras está a Fundação de Previdência e Assistência Social Real Grandeza. Criada em 1971, o fundo tem como patrocinadores a própria Real Grandeza, Furnas Centrais Elétricas e a Eletrobrás Termonuclear – Eletronuclear.
Araújo destaca que o grupo de trabalho dedicado aos fundos de pensão vem atuando para conter o avanço colonial da nova gestão sobre esses espaços. “Participamos do Fórum Permanente de Participantes e Assistidos da Fundação Real Grandeza e do Fórum de Previdência do Coletivo Nacional dos Eletricitários. Já fomos até o ministério da Previdência, em Brasília. Quase entramos em greve porque eles descumpriram o acordo coletivo que definia a participação sindical em duas comissões de Previdência e Saúde, que deveriam tratar de questões relacionadas ao tema. Eles estavam tocando a unificação de planos de saúde e previdência sem o estabelecimento ou acionamento dessas comissões”, destaca.
Uma das frentes mais complexas para ambos os lados dessa disputa, a unificação de fundos de benefícios envolve fatores jurídicos importantes: trabalhadores de Furnas e Eletrobras possuem fundos diferentes, com condições distintas. “Como resolver uma questão dessas? Eles vão querer passar o trator e nós não vamos deixar”, aponta Felipe.
Como nos outros aspectos relacionados à reformulação societária e de governança do grupo Eletrobras, os trabalhadores esperam o mesmo método usado até então: o autoritarismo. “O que vemos é que não há um corpo técnico que domine o assunto. Mudanças são impostas de forma autoritária. Eles se colocam como ‘mercado’ mas, na verdade, são orientados politicamente. Ideologia e preconceito são colocados acima de qualquer aplicação de ferramenta técnica. Se continuarem com a habitual incompetência deles e da nossa organização de resistência, terão muitos problemas para tocar essa pauta”, finaliza Felipe.